Dos meus tempos de liceu, lembro-me de uma vez a minha amiga a. vir uma vez com a conversa Ah Vamos pôr este armário à frente da porta da professora para quando ela tentar sair não conseguir! Apesar da minha falta de arrebatamento perante tal proposta, ela entusiamou-se de tal forma com aquilo que chegou, inclusive, a tentar arrastar o armário. Mas eu, numa empatia que nem sei de onde me vem (hm. empatia mesmo?), pûs-me a imaginar a professora com o seu ar angelical de quem tem 20 e tal anitos e está em início de carreira (hm.), a apanhar uma desilusão tremenda quando visse aquele mono atravessado na porta a impedir-lhe um final de dia em plena rotina.
Oh a.! coitada! já viste? Não vamos nada fazer isso. E, pronto, não fizemos (a a. sempre escutou os meus conselhos sensatos, apesar de raras vezes os seguir). E, pronto, assim se foi por água abaixo aquele plano genial. Mas hoje, à distância, relembro e penso: Oh que borrega! Então vejamos:
Um professor, naqueles tempos, tinha uma vida perfeitamente razoável (digo eu que nunca fui professora) a não ser que fosse director de uma turma-somatório de, digamos, alunos não suficientemente bons para estarem numa turma 'normal' (digo eu que também nunca o fui. professor de uma turma assim, quero dizer. nem assim nem de qualquer outra. não sou nem fui professora. ponto!). Ora, aparte a nossa turma de Inglês III com 3 alunos, a nossa professorinha estagiária devia ter um horário cheio de furos por onde extravasava, muito provavelmente, tédio até mais não. Assim, e isto baseia-se muito em suposições, não devia ter grandes inovações e excitações (relacionadas com a vida escolar, pelo menos).
Chegava à escola, dava as aulinhas, no máximo queixava-se dos programas extensíssimos, aplicava os testes, corrigia os testes, avaliava os desempenhos, chumbava se tivesse que ser, e sem ter que perder tempo a preencher burocracias para justificar o chumbo. Enfim, tinha uma vida ordenada e rotineira. Ou seja, enfadonha. Se eu, nas minhas questionáveis virtudes moralistas, não me tivesse insurgido naquele dia, tinha-lhe muito provavelmete mudado (radicalmente?) a vida. Pois! Então vejamos:
encurralada entre quatro paredes, a dar de face com as costas de um armário... que faria ela? Desenrascar-se, ora pois! Ou então não, e telefonava mas era ao Senhor Director... Mas, seguindo as probabilidades, e acreditando na melhor das hipóteses, seguiria a 1ª hipótese (claro!) Mas como? Ela própria conta, anos mais tarde, aos seus netinhos:
Uma vez, meteram-me um armário à frente da porta da sala de aula, e eu, de saia, tive que escapar pela janela da sala, com quase 2 metros, sobre uma montanha de miúdos que jogavam cá fora à bola. Riram-se à brava da situação e, inclusive, gozaram bastante comigo. Mas depois, ficaram até bastante surpreendidos com as minhas capacidades de fuga! E fui aplaudida em massa! E ganhei o prémio no jornalinho da escola como a Personagem do Século daquela escola! E nuuuunca maaaais fui esquecida naquela escola!
Ou seja, teríamos transformado a professora em heroína. Fantástico! Mas... e eu e a minha amiga a.? Bem... teríamos sido talvez, com grandes probabilidades até, transformadas nas imbecis da fita. E entrado também no jornalinho da escola mas, com grandes probabilidades até, na secção das Orelhas de burro. Enfim, que dizer?, ainda bem que se perdeu o momento.
(há sempre uma forma de justificar da melhor forma o que não se fez e, se calhar, até se devia ter feito.)