quinta-feira, abril 28, 2011

paciências (ii)


quem tudo quer, tudo perde. não diria tudo, mas pelo menos parte. ou tem que perder. ou não tem que, mas deve. porque não irá desfrutar o que tem plenamente. quão mais fácil seria, na dúvida, meter tudo no saco e levar para casa. e, na dúvida ainda de por onde começar, manter tudo no saco e saber que temos aquilo, que temos tudo para ser felizes.

mas não, dão-nos simplesmente a hipótese de que fazer escolhas: se queremos o cornetto de morango, o magnum caramelo ou o perna de pau. ou o epá, porque oh menina de momento é o que temos. e sendo o único hesitamos. esperamos, não esperamos. hesitamos enquanto o gelado derrete e se encaminha para o fim da validade.
podemos sim, escolhê-los a todos, quando os há, mas o provável é que a experiência de prazer imaginada se transforme numa tremenda dor de barriga com consequências de dia seguinte. isto quando os podemos escolher a todos, como se pudéssemos estar em todo o lado, ter e viver tudo, tudo ao mesmo tempo.

(não somos omnipotentes,
não somos omipresentes.

no máximo, somos omnívoros. e ainda assim
quando queremos muito
temos que comer a peça à vez.)


quarta-feira, abril 27, 2011

[indeterminado]




Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
define com perfil e ser
este fulgor baço da terra
que é Portugal a entristecer
brilho sem luz e sem arder,
como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quere.
Ninguém conhece que alma tem,
nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ância distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...


(melhor perdido no nevoeiro que
encharcado no lodo da perdição.

do nevoeiro escapa-se com cautela,

mas do lodo dificilmente escapamos
sem a garganta imersa e
a mente suja.

sejam as flores a bandeira. efémeras sim, perecíveis é um facto
mas
constantemente renováveis.)


terça-feira, abril 26, 2011

'não sei se é sonho se realidade...'


Livre não sou, que nem a própria vida
Mo consente.
Mas a minha aguerrida
Teimosia
É quebrar dia a dia
Um grilhão da corrente.

Livre não sou, mas quero a liberdade.
Trago-a dentro de mim como um destino.
E vão lá desdizer o sonho do menino
Que se afogou e flutua
Entre nenúfares de serenidade
Depois de ter a lua!

(m.t.)


(para a s.. e para todos os que se batem com a condição. para ti também.)

quinta-feira, abril 21, 2011

isso é que era! (mas estamos tão habituados aos tachos...)




(um [bom] jogador sabe voltar a pegar na bola e metê-la na baliza. mesmo depois de ter falhado um penalty. é só uma questão de lhe pegar por outro lado, e dar-lhe a volta por cima.)

quarta-feira, abril 20, 2011

etiquetas na pele


"na 5a feira vai almoçar com o filho epiléptico."

ouvido isto, tratei de tecer o resto da história:

na 6a feira janta com o primo bipolar em fase maníaca. e depois há festa!
no sábado vai às compras com a tia diabética e, de seguida,
janta com a amiga deprimida que se divorciou recentemente do marido celíaco. não há festa.
não ousando escapar, toma ela própria o comprimido, é uma drogada.

no domingo almoça em família, com o outro filho, hiperactivo, a miúda obesa, e o marido desempregado (que é o mesmo que dizer, futuro alcoólico identificado ou futuro deprimido). o filho epiléptico não almoça aqui.

na 2a, depois de sair do trabalho, faz o jantar para os filhos e vai ver a mãe demente. por coincidência, na mesma casa, está também o pai normal. quê, normal?! não tem sequer uma patologiazinha com que o possamos definir? uma amigdalite recidivante, uma renite alérgica, uma hipertrofiazinha prostática incipiente? sei lá, qualquer coisa muito única, nada repetível e comum, que possa ser incluída na etiqueta descritiva? uma carecazinha à vista, uma fugazinha aos impostos, uma batidelazita no carro da frente? prooonto, está bem. o pai normal. mas um tremendo anormal, caramba.

terça-feira, abril 19, 2011

Dos tropeções silenciosos


- [...................... ]
- estou? estás aí?
- [......... ] estou...
- ah, não te ouvia, pensei que tinhas ido abaixo.


(também eu.)


segunda-feira, abril 18, 2011

uma coisa (im)possível antes do pequeno almoço


- alguém perdeu o passe, estende a senhora o bracito flácido para o motorista enquanto o entrega. ele recolhe e responde:
- oh minha senhora, há quem só não perca a cabeça porque está agarrada!
- pois eu digo-lhe que há muita gente que perde a cabeça mesmo tendo-a agarrada.


sexta-feira, abril 15, 2011

os fabulosos anos 80




(Essa Entente, Dança Nua, 1989)


"... quer levar-me mas eu não vou ficar
Apenas vou sorrir, passar..."

(por mais cruas que sejam as coisas, tenho sempre saudades destes anos.)


quinta-feira, abril 14, 2011

Hulk (IV)

(cont.)

grito piso corro e discorro em mil e um pensamentos de mil e uma palavras de letrinhas de palavras esganiçadas,

arranco arranho puxo pulo. desgrenho-me. a mim e à mente que se retrai na consciência do que disse. magoo. a mim, a ti, a nós, com as mazelas da reflexão que vem depois, sempre depois, no infinitésimo segundo posterior. e extenuados, retraí-mo-nos.
e paramos.

à volta os despojos. um mundo ao contrário assente no descontrolo dos relógios rítmicos. dos relógios com palavras certas para as ocasiões certas, para isto e para aquilo, certo, para o que deviam ter sido feitas, nas quantidades mínimas e máximas, exactas, que preenchem o copo. mas que nunca o deveriam fazer transbordar.

ficamos nós, se é que ainda somos nós, nós a exalar o fumo da destruição. valeu a pena? nem tudo vale a pena.
sim, de que vale tudo isto, de que vale? mudaste acaso tu? mudei acaso eu? mudámos nós o mundo à volta da forma como as nossas visões incompatíveis o queriam irreversivelmente mudar? talvez. talvez não. trocámos matéria, pelo menos, gerámos anticorpos. enxuvalhámos a barreira, talvez. talvez não.
não sei. não sei mesmo, a saber de saber certo não sei. a não ser que levo o teu copo sempre cheio, e nunca sei onde meter a gota que o vai fazer transbordar.


(quando nos enraivecemos tornamo-nos verdes e feios. mas
no fundo, pior que isso é sermos segurados pelas costuras.)


Hulk (III)

(cont.)

mas eis que, piff paff, uma última letrinha, perdida ainda da frase, encontra o caminho e, FLUSH FLASH, SPLASH, transvaza o copo! AAAAAAAAAAAAAAAAAHHH. uma onda forma-se na superfície, AAAAAAAAAAAAAAAAAHHH, uma onda cresce na superfície, AAAAAAAAAAAAAAAHHH, uma onda engole-me subitamente. sinto-me encharcada, metida num charco qualquer. sujo. suja. AAAAAAAAAAAAAAAHHH. ensopada. sinto-me a absorver, a engolir, a inchar.

então, em contacto com as minhas vestes, com a minha pele e com a minha mente, o líquido vítreo começa a tomar cor. incorre em reacções químicas diversas, o coração dispara a respiração acelera os músculos contraem-se e a garganta ferve. tudo isto no espaço de segundos, milésimas de segundo. PAMPUMPAMPUMPAMPUM.

a pele tinge-se, reveste-se, toma a cor da inveja, do nojo, da impaciência contida nas entranhas até não se aguentar mais. a língua contorse-se e acelera - tss-PÁS. as palavras aceleram tambem em chicotadas fortes de língua afiada. tss-PÁS. e então, cá vamos nós,
digo o que quero e o que não quero. o que me vai na mente consciente e o que me vai na outra, na subterrada, inacessível ao grande público (e, por vezes, inacessível até a mim). a que corre nas entrelinhas do que sabemos e do que achamos que sabemos

(ah se nós nos endendessemos plenamente)

e perco o controlo.

(continua)

quarta-feira, abril 13, 2011

Hulk (II)

(cont.)

encontro A que me conta docemente, vejo B a quem escapa o sorriso, foge-lhe na frente e vai de encontro a mim, ui!, pede-me desculpa, desculpado. devolvo o sorriso ao dono. passo por C que me é indiferente, e por D que admiro profundamente. nunca sei o que dizer de E. já para F tenho o maior copo do mundo.
mas vem G. oh, G. G prepara a palavra, retêm-na, embrulha-a e quando uma pessoa pensa que a palavra vem trabalhada, concluída, lança a pobre no alto, desprovida de sentido e de preparação, completamente desamparada. tento agarrá-la, mas escapa-se-me entre os dedos, e cai no chão sem cumprir a tarefa - permanecemos distantes, sem fio de ligação.

G... tenho para G um copo fino e semi-cheio. mas as suas palavras são tão pesadas, que o enchem rapidamente. mas oh. G não desiste. há nova actividade em G. G mastiga suavemente. G está a preparar um novo arremesso. e, ainda que o preveja, duvido sempre estar preparada para o aplacar. G prepara-se, mastiga e, zás!, cospe rapidamente a sopa de letras - VUM VUM VUM - as letrinhas inocentes enrolam-se pelo ar, esticam os membros tentando desesperadamente encontrar pontos de apoio. olho-as pelo ar, em câmara lenta, BA - DOM, BA - DOM, BA - DOM. as letrinhas, uma a uma, desconexadas, avançam no meu encalço - VIIM, VOOM, VAAM - e, paff, caiem direitinhas no copo prestes a extravazar.
mas a água retêm-se na borda, ufa, foi por pouco. porque a cabeça estava quente.

(continua)

terça-feira, abril 12, 2011

Hulk (I)


abro a mala, passo os dedos pelo tecido, suave, pressiono-o para lhe sentir a resitência, a pele acolchoada. pego nos copos. tenho vários. copos, copinhos, canecas 50 cl. é para o que der e vier. disponho os copos. acomodo os copos. copinhos, canecas 50 cl. aconchego-os bem. tenho vários.
há-os de plástico, de vidro, de cristal. uns mais cheios, outras vazias. outros e outras por encher. ainda.
há-os para os absurdos, sem fundo à vista. há-as para o concreto. cê ó éne cê érre é tê ó. há-os para os sonhadores, sem tecto nem volume máximo, apenas limitados pelas aprendizagens feitas. e pelas combinações infinitas das mesmas.
há-os para os que maçam, e maçam e maçam, sem fim capaz - para esses são finos e têm indicações para estalar ao segundo quarto de hora de primeiro contacto. há-os para todos. até um conjunto especialmente para desconhecidos, feito de borracha de balão, flexível. ajustável, até ver.

verifico-os, bem ou mal, conforme o dia e a paciência, e fecho a mala.

(continua)

segunda-feira, abril 11, 2011

Solidão (III)





as coisas existem enquanto nos lembrármos delas.


(pergunto-me,
se há tantas guerras que se fazem em teu nome,
se há tantos homens que acham conforto no teu silêncio,
porque te julgam ouvir, porque te querem ouvir,

o que acontecerá se um dia as pessoas te esquecerem?

seremos nós mais felizes, ou
mais perdidos,
e sós?)



quinta-feira, abril 07, 2011

Hábitos (II)


Uns decidem chamar a atenção sobre si de uma determinada forma, outros têm vícios.

preferem ganhar a atenção dos outros na postura de coitadinhos. mostrar o quão vítimas são em geral. Mártires até!, pobrezinhos, uns sacrificados pela vida. pronto, não ganham esta vida nem os prazeres dela, é certo. mas então, com tamanho imolação, pelo menos têm o céu garantido. Se o houver.


bitter sweet a bit sweeter


sorrio. e canso-me. vai-te embora, não antes abraça-me, deixa-me, gosto tanto de ti, irritas-me, eu estou bem, mas tenho medo, perco a paciência, e sinto-me envergonhada, quase que te odeio, arrelio-me

e sobe pela espinha a raiva enquanto fazemos a escalada. e ninguém precisa de ouvir, nem
ninguém precisa de falar, fazemos sozinhos o diálogo, a conversa, falamos connosco e, connosco apenas, perdemos a paciência,
choramos, fazemos a fita, batemo-nos pelo chão fora, magoamo-nos

para depois cessar tudo. emudecemos,

desce pela espinha o cansaço do desespero, não queremos chatear ninguém, não queremos ser chateados,
nem sequer queremos escalar caramba!
queremos paz, só isso, paz. sem dúvidas, preocupações, discussões.
sem perder as estribeiras, sem perder a paciência. sem acidular a voz com o que é tão somente teoria, nem isso, hipótese, incerteza, aquilo que deixamos correr no pensamento, pelo corpo fora. é um filme
com mirabolantes argumentos que a nossa cabecinha tece e nem sequer tem que ser baseado em factos reais, o que são os factos, não quero saber dos factos, não há factos, apenas interpretações.
por isso não quero, quero paz, isso, só isso.

cansámo-nos. hoje, estamos fartos. queremos ver, ouvir, sentir a realidade - nem sequer sabê-la, queremos apenas o suficiente para
viver isto e isto mesmo. tac - tac.

hoje.

amanhã quererei algo no meio. ou a 2/6. depois? não sei. mas
é um ciclo.


(somos tão múltiplos, tão incertos, tão frágeis e improvavelmente mas tão verdadeiramente fortes que se não tivéssemos a mesma face todos os dias não sei como seria. como nos reconheceríamos uns aos outros quando mudamos o padrão. porque somos constantemente surpreendidos. por nós, e pelos outros. mas
que padrão? do que somos em cada contexto? do que somos com cada pessoa? do que somos connosco?
se eu mudar, deixo de ser eu? e até onde posso mudar continuando a ser eu?

afinal, se em nós pode ser tudo, como conseguir definir pessoas?)

segunda-feira, abril 04, 2011

anti-epicurismo


'The world needs anger. The world often continues to allow evil because it isn't angry enough.'*



(*Bede Jarrett)


the thin [but deep] red line


" (...) e ocorreu-me que não há diferença entre os homens, de raça ou de inteligência, tão marcada e profunda como a que separa os enfermos dos saudáveis. (...)" *


mas enquanto passamos a barreira, é tudo tão inaudível e indefinido.





*(F. Scott Fitzgerald, The Great Gatsby, New York: Scribner, 1925)