quinta-feira, julho 24, 2008

Como escorreguei num pacote de açúcar


Sei de cor que os pacotes de açúcar têm entre 7 a 9 gramas de açúcar. Sei também que, no ritual diário, são abertos e esvaziados para adocicar o que é amargo. Que os ditos pacotes ficam então mais leves, e passam a esvoaçar, levados nos ventos da Baixa. Que se deixam cair ao chão, minúsculos e espalmados. Que se deixam cair ao chão rodeados de montras apelativas. Que ninguém olha para o chão quando as montras mostram peças em saldos. Que é preciso o acaso mas que, por vezes, tendo muitos e muitos metros quadrados, metemos o pé onde não devemos.

Penso que as pessoas também vêm por vezes como pacotes. Anunciam 7 a 9 gramas de açúcar no interior, o suficiente para adocicarem o amargo do resto, e quando se vai a ver estão ocas. Tão ocas, que entre os aproximadamente 6.684.100.000 humanos que existem, acabamos a pensar Bolas, tinha logo que escorregar neste! Mas, depois, podemos sempre pensar que se sobrevivemos não é tão mau quanto isso.
 
Aliás, entre o instante de meter o pé, ter a sensação de algo escorregadio e olhar para o chão, confesso que receei. Mas depois, Ufa, pensei, Ao menos não pisei um poio.

Evolução?

Direitos humanos. Tenho um saco de questões acerca destes direitos: de onde vêm? onde surgem? a quem se aplicam? devemos impô-los como verdade absoluta? são o estado último das coisas? é para onde evoluímos – para uma liberdade individual?

Disseram-me que não é uma questão de impor. Que forçar as coisas não funciona – as coisas revoltam-se e acabam por seguir outras direcções, direcções que só empatam e atrasam o caminho último. Que é preciso respeitar os tempos de evolução de cada nação. Que todos caminhamos para lá. Que acabamos por lá chegar. Que os direitos humanos, os direitos atribuídos aos seres humanos e que lhes permitem o livre arbítrio, que a emergência desses direitos irá acontecer mais cedo ou mais tarde em todas as nações.

(deve ser como a ideia de deus. o nosso cérebro caminha em determinadas direcções e não há como fugir-lhe. estranha liberdade esta, a liberdade programada.)

Penso nisto. Em como as pessoas começam. E se tornam agrestes. Egoístas. Em como as pessoas acabam por apaziguar ao longo da vida. Em como as pessoas têm diferentes tempos para achar esta paz e esse respeito pelo próximo. Em como uns lá chegam mais cedo. Em como outros só quando o fim de tudo se aproxima a galope. Em como outros já vão tarde, e outros nem fazem planos de chegar.

Sim, disseram-me que não devemos impor, que os oprimidos serão livres um dia, quando as nações, uma por uma evoluírem o suficiente. Quando as outras nações chegarem ao ponto em que nós, ocidentais, nos encontramos. Que elas lá chegarão nesse dia.

(calculo que esse dia seja numa medida de tempo indefinido, claro. afinal, também atribuímos o direito às diferenças individuais – onde deve estar incluída as diferenças na velocidade de evolução.)

Pena é que, enquanto uns chegam e outros não a esta meta que concebemos, muitos inocentes morram pelo meio sem sentir no peito o que é isso de ter direito à liberdade.

(P.S.: eu muito sinceramente ainda não encontrei resposta finita para as perguntas do início. mas o Karl Popper escreveu uma vez que, para permitir a tolerância, tínhamos que ser intolerantes numa só coisa: para com a intolerância.)

quarta-feira, julho 09, 2008

"Fazer coisas com palavras."


Toda a gente devia aprender a fazer coisas com palavras. Por exemplo, transformá-las em acções.

terça-feira, julho 08, 2008

Way out or way in?







































































(o conhecimento das pessoas também é uma progressão.
primeiro é-se o que se parece
depois passa a parecer-se o que se é.)





24

Se pensar de dentro, de dentro das coisas, das coisas como eu Parece-me que a minha vida se passou num dia.

Não sei, mas da infância tenho algumas lembranças semelhantes ao raiar de uma luz, ao nascer dos sonhos.

Da adolescência um sol a pique de se ficar encandeado e pensar que se vê tudo E afinal não se vê é nada.

Da adultez nem tenho memórias, que isto o tempo corre e exige E acabamos por, nas mudanças, perder pedaços que não voltamos a recuperar.

De agora (será velhice?) é um cansaço das coisas, Querer o tempo e saber que se extingue e que não volta.

A noite vai escura e parece-me que não há a luz no fundo do túnel, que ainda faltam umas 7 horas para o novo dia, e eu nem sei se depois de dormir volto a acordar.

Couraças


Na descida, andei a pisar ouro. Não sabia que havia ouro na Couraça. Erro meu, porque todos os dias ao final da tarde, quando o sol se vai deitando de mansinho, as pedras cinzentas encerram-se e metem as couraças de ouro para dormir.

(é incrível como as coisas mais pequeninas da vida nos despertam, por vezes, o maior sorriso do dia.)

quinta-feira, julho 03, 2008

Berço






















(Bairro da Graça, Lisboa, Natal 2006)


Lisboa dos lisboetas
Lisboa dos deslocados

Lisboa dos portugueses
Lisboa dos emigrantes

Lisboa dos residentes
Lisboa dos turistas

Lisboa dos bairristas
Lisboa dos betinhos

Lisboa dos fadistas
Lisboa dos rappers

Lisboa dos pastéis
Lisboa da fast food

Lisboa das ruas estreitas
Lisboa das ruas largas

Lisboa dos olhares curiosos
Lisboa dos indiferentes

Lisboa dos que vêm de fora
Lisboa dos que vão de dentro.

(pergunto-me como podemos sentir falta de algo
que não chegámos a conhecer?)

terça-feira, julho 01, 2008

Escape


Decorei-te a frase de intervenção, a aparição súbita. Decorei-te o cabelo ligeiramente encaracolado, os fios brancos de quando a quando, os dentes finos e os olhos arregalados. Decorei-te os gritos e a voz arrancada de um fundo sem fundo. Decorei-te esse desespero de querer ser o que não está em nós. De fugir daquilo que nos está no sangue. Encontrámo-nos no meio de uma sucessão desordenada de instantes, e falámos como se nos conhecêssemos desde sempre. Trocámos ideias, ultrapassámos os limites. E depois, saciados da quebra da rotina, seguimos com a nossa vida.
Talvez todos queiramos encontrar um louco. Alguém que nos arranque do que vivemos todos os dias. Que nos acorde. Por instantes. Para quando formos para o café termos uma história para contar. O que não queremos depois é ter que viver com ele. É um brinquedo de meia-hora que só queremos se, quando começar a chatear, o pudermos pôr de lado.
(aparte de ser rebelde, acho que uma parte de mim – a que não se preocupa com as aparências, a que compensa essa parte – uma parte de mim sempre quis ser louca. mas essas coisas não se forçam. já vêm nos genes. e se tentarmos ser loucos, acabamos por nos tornar ridículos.)