quarta-feira, dezembro 29, 2010

para sempre





passamos todos

fica só a música e
quem ainda se lembra dela.


(para a minha vó.)

segunda-feira, dezembro 20, 2010

hemianopsia





andamos à procura da harmonia no meio das coisas. mas
esquecemo-nos que uma parte da realidade é-nos desconhecida.



imagem daqui

sexta-feira, dezembro 17, 2010

handle with care (II).


mas não com tanto cuidado que se mime uma pele incólume
que não crie calo.


quinta-feira, dezembro 16, 2010

ontem o j. perguntou-me como é que se desenhava um 'k' minúsculo. - sei lá!, - não te lembras?! mas tu uma vez desenhaste-o.


sabem porque é que o saber não ocupa lugar? porque nos despojamos dele.

:|

(odeio saber que as vezes que os meus pais já Bateram Com A Testa Na Parede Para Finalmente Conseguirem Perceber Alguma Lógica do Dia-A-Dia não se transmitem à descendência pelo milagre bonito da biologia reprodutiva. porque por mais que nos contem as coisas, que nos digam as coisas, que nos impinjam as coisas, somos nós - nós! - que temos que Caminhar Os Caminhos Para Aprender A Cair E Não Ficar Muito Tempo No Chão A Pedir Falta. porque as aprendizagens são individuais e subjectivas [bolas!]. pronto, está bem, aceito [que remédio!]. sei que Vou Ter Que Voltar A Escorregar Onde Outros Já Escorregaram Para Conseguir Aprender Algo Acerca De Como Caminhar Para A Sobrevivência. mas,
após aceitar esse facto codificado na caixa preta a que não temos acesso, odeio saber que depois de todas as quedas, de todos os estalos, de todas os espetáculos infelizes, de toda a ingenuidade mal-passada, de todo o tempo que se passa a aprender Como Não Escorregar nas Folhas Dos Passeios Após Assentar Valentemente O Rabinho No Chão, essas aprendizagems não duram para sempre. [bah.])

segunda-feira, dezembro 13, 2010

mudar de vida

I
"já sei lidar com máquinas, agora quero aprender a lidar com pessoas." (g.n.)

II
"olhe, estou farto de pessoas! agora interesso-me é pelos animais." (i.d. II)




(dê lá por onde der, o mal é talvez passarmos demasiado tempo na mesma coisa.)


quinta-feira, dezembro 09, 2010

handle with care.




i myself would also like to have Carefully in the name.
'coz i think people tend to forget.


quinta-feira, dezembro 02, 2010

a quente


«Quando se ganha jogos importantes podemos chorar de alegria. Quando perdemos por 4 ou 5 não se pode sair a chorar, mas com vontade de jogar a próxima partida. É pena jogarmos sábado. Gostava que fosse amanhã já, porque depois de um jogo tão mau e de resultado tão negativo só há que voltar a jogar e a ganhar».


(é exactamente o que eu penso após uma péssima exibição. gostava que fosse já amanhã a próxima vez. enquanto a insatisfação ainda nos está quente nas veias e grita por desforra. enquanto ainda ferve a revolta de sermos tão limitados. enquanto ainda raspa na ferida e dói a crença de que poderíamos ter sido melhores, mas não fomos.)



chiu (II)




caminham na rua, olhos nos olhos, nas mãos, nos gestos. falam entre si numa língua que não entendo. quero ouvir, ouvir o que dizem, e não sei. conversas assim entre duas pessoas: das coisas mais bonitas que já vi. linguagem gestual, digo: no meio de todo o ruído, são eles que me cativam.

são os olhares, os gestos e as expressões. tudo fala sem falar. tudo se expressa, mesmo quando queremos conter.

porque, se virmos bem, o silêncio não existe.


sexta-feira, novembro 26, 2010

greve (III)


a luta é a força maior.

mas
qual, a externa ou a interna?




(minuto 8:27) a luta de um pai pelo sonho de um filho.

(como é que se mede a grandeza das lutas?)


greve (II)


strike, é a palavra inglesa para greve. e para luta.

na passada quarta-feira os trabalhadores (não) saíram para a rua. homens e mulheres apostaram na ausência para se manifestarem. e de que vale isto, pergunto?

tenho uma bolsa de estudo, não tenho futuro garantido, não acredito naqueles que me governam, não sei governar um país. quero um emprego, quero um futuro como o sonhei, quero acreditar nos soberanos. só não quero governar o país.
tenho dinheiro para comer, para comprar roupa, para viajar. tenho uma casa. mas depois há os outros, os que não sabem se haverá dinheiro ao fim do mês; os que têm os filhos e não sabem se lhes poderão continuar a pagar os estudos. quem sabe a comida. e o quente da casa.
pedem-me dinheiro na rua, é para ajudar, senhora. ajudar os outros. ajudemo-nos uns aos outros, nós o Governo, o Governo a nós. mas olho as pessoas nos olhos e não sei se me querem o dinheiro porque têm fome, se me dizem a verdade, se o querem para sonhar acordados nos 5 minutos em que a veia ferve. ou se é para andarem de um lado para o outro em classe exclusiva a apertar a mão a negócios opacos. quer o Governo ajuda? não sei se quer. e o povo, quer o quê?
eu estudo-trbalho. só não sei é o que sou. nem para onde vou. mas, hoje, também não sei se alguém sabe.
é para investir na Educação? quer-se o povo letrado? para quê, para pensar? pensar que os brindes que lhe dão têm um preço?, que o que nos dão nos será tirado de outra forma?, que o que nós não damos também não retorna?, que os impostos são para ser pagos? eu não pago impostos. mas também não tenho futuro. e tu que pagas impostos, tens? Não sei se querem investir na Educação.

não investem na Educação. e a torneira fica aberta, a luz fica acesa, mas(!) vem o plasma cá para casa. só não há é comida na mesa.
há dinheiro para o TGV, há dinheiro para as classes conforto, só não há para o Metro da Lousã. há dinheiro pra as empresas que estudam o Metro da Lousã, para tirar as linhas féreas e colocar autocarros. há dinheiro para os satélites humanos que gravitam em torno do Metro-Sol. só não há é para acabar o raio do Metro.
há dinheiro para pagar a quem opina, só não há é quem entre num autocarro e gravite nas curvas da serra, com o estômago a gravitar também. não há quem nos calce os sapatos. os meus até eram capazes de servir, mas há quem os tenha apertados para a magreza que tem.
e há dinheiro para os blindados dos senhores importantes. só não há para os salários dos trabalhadores. não há futuro. certo, se calhar nem incerto. não há.

mas quando é que a vida foi certa? ou fácil? quando é que tivemos o futuro garantido?
quando é que estivemos nós satisfeitos?!

luta, luta, todos os dias caramba. basta
tudo isto, basta.

(sei lá como lutar.)


'estás no caminho para te tornares uma má pessoa.'


a arrogância, crepita na língua, na pose, e desarma. (quem?)
talvez os genes sejam a desculpa. talvez. talvez até venha nos genes, agora que há um gene para tudo, mas no fundo no fundo apenas nos cansámos.

quando a arrogância ameaça a rotina, de estar sempre vergado, e (zás!) sobe pela espinha acima, e é o arrepio contínuo e pesado que a endireita, impedindo-a que vergue. outra vez.

e leva dá luta chuta pá tira arremessa. mas depois cessa. repentinamente. e caímos nós, pás, desamparados. mas se ela nunca nos deixaria vergar, tinha-se acabado o outra vez.

(acabamos tão-somente vergados por ela) e caímos. somos arrastados pelo vento longos metros, suficientes para esfolar a pele e o amor-próprio. depois, trémulos ainda, erguemo-nos. e ergue-se ela connosco. sujos feridos desgrenhados, berramos como se mais pulmões tivessemos. como quem perdeu a guerra mas não as múltiplas batalhas. (ou então perdeu as batalhas mas a guerra não acaba nunca.)

e então raspam na garganta com gosto acre as palavras 'Geou que não geasse, eu cá estou debaixo da minha vidraça'. e ficamos nós, eu e ela, a tiritar.

(por estes dias, cala-me só o vento quando me estala forte na face. e tu, quando me estalas os ouvidos com palavras injustas.
(zás!) que interessa, gosto das estaladas, sabem-me a beijos.)


sexta-feira, novembro 19, 2010

terça-feira, novembro 16, 2010

segunda-feira, novembro 15, 2010

vinculação


o ninho. enroscar-se nos recantos, no calor da carne, nas pregas da pele.
andar sobre o outro, outro corpo, achar-lhe os espaços, encontrar o espaço.


(tenho 26 anos, que sei eu da vida, do casamento, das rotinas, das dificuldades, enfim, dessa vinculação a que se chama afecto ao fim de 30, 35, 50 anos? - ou dessa vinculação-que-se-chama-hábito? - que sei eu da diferença das coisas, do que é amor, do que não é. do que é rotina, trabalho, do que é paixão. do que é coisa-sem-nome por mais que lhe queiramos dar um. estou ainda na confusão das coisas, envolta no nevoeiro infindo de uma cabeça desassossegada. mas

e a vontade? e a vontade? visceral. no âmago das coisas. não interessa onde se está: o que interessa é onde se quer estar. que interessa o nome se o espaço onde passamos a querer estar é o corpo do outro. sob o abraço, no aconchego.

pensar que se perdemos isso, perdemo-nos também. que - ai jesus! - falta-se-nos o chão. que sem ele, passamos a estar definitivamente além, sem estar bem em lado nenhum. porque o outro é o ninho. e é um ninho daqueles que por mais que cresçamos não nos queremos despojar.)


há-as para dançar, para fazer rir, chorar, enraivecer, enternecer, arrepiar. até para se apaixonar. e para dar mote ao depois.

sexta-feira, novembro 12, 2010

não é à toa que se diz que há uma idade para as coisas. depois disso, sabe a ranço sem ter fritado grande coisa.


há as fases da vida, e depois há as fases da não-vida.
uma delas é a da mosquinha morta.


(lembro-me daquela professora e do que nos disse, que mais valia uma criança rebelde do que uma criança indiferente às coisas. porque a rebelde ao menos esperneava.)


o problema é se não é só uma fase. mas uma face.


terça-feira, novembro 09, 2010

onde é que começa o mundo?


ganham na mtv as stars da pop. critica-se que na mtv ganhem as stars da pop. porque ganham na mtv as stars da pop, o povo ama as stars da pop. o povo ama as stars da pop que aparecem na mtv. porque o povo ama as stars da pop que aparecem na mtv, as stars da pop ganham. na mtv.
e se aparecessem na mtv as non-stars da indie? ganhavam na mtv as non-stars da indie?
e o povo? o povo amava indie non pretentious music?

(quem raio precisa da mtv,
o povo continua a ser uma criança.)


segunda-feira, novembro 08, 2010

novas velhas estratégias





"Será que ele veio para salvar... ou destruir o mundo?".

hem? andamos com as perguntas ao lado.
qual quê!, ele veio foi para dar o privilégio a alguns de não pagarem o IVA.


terça-feira, novembro 02, 2010

who am I



mirror, mirror on the wall...
what do you see?


(somos o que os outros vêem que somos? ou o que nós vemos também? ou talvez... algo no meio? ou nada disso afinal? difícil definir a identidade quando se anda à procura dela. ou talvez, quando já se encontrou mas não se quer ver.)


i think i know the answer.



sexta-feira, outubro 22, 2010

acordes da vida

       
"sometimes they do.
sometimes they don't."


(acerca do que nos propomos a compôr na vida. do que chegamos a compôr. e, depois, da forma como vemos o nosso desempenho.) 

             
            

quarta-feira, outubro 20, 2010

gosto mesmo desta sentença




porque me faz sentir mesmo mal.

(e o desconforto, em última instância, acaba por levar à acção.)


domingo, outubro 10, 2010

mini som ou mesmo népia


          

a MiniSom, especialista em aparelhos auditivos, está com uma campanha:
faça já o rastreio auditivo e receba gratuitamente o CD do Marco Paulo!

se por mero acaso for surdo,
devem ter para lá uma fita de cinema mudo.


como queres o teu café?




con-tigo.




sexta-feira, outubro 08, 2010

because life is a ever ending story.


- All right, Xayide. I will make my last wish. I wish...
for you to have a heart
!
*


(sabia muito bem ele a importância de ter um.)





(*Bastian Bux; George Miller, The Neverending Story II: The Next Chapter, 1990)

quarta-feira, outubro 06, 2010

viva.
















































"Existe no entanto, outro busto que foi adotado como o rosto da República, da autoria de José Simões de Almeida e criado em 1908. (...) A modelo para este busto foi Ilda Pulga, uma jovem trabalhadora do comércio do Chiado."



(algo está mal quando o rosto de uma nação não é o seu povo.)



terça-feira, outubro 05, 2010

coloquialidades


anda para aí um cartaz com a pergunta: o que diria a Deus se O encontrasse? eu andei a pensar nisto, e confesso que fiquei indecisa. acabei com 3 opções de resposta.

1) antes que ele tivesse grande tempo, e porque é porreiro e tal, espetava-lhe de enfiada com o
Então,-tudo-bem?-Tudo.

2) na mesma linha, mas numa versão mais formal, arregaçava a manga e puxava do
Passou-bem?-Muito-obrigada.

3) mas acertado mesmo era meter a minha melhor cara de pasmo, e exclamar:
então, Meu, por onde é que tens andado?!

   


sábado, outubro 02, 2010

'o amor é o amor e depois?', o que adianta saber isso, do amor, eu amo-te, ou não se diz, é mais

fácil não dizer, dar só o beijo que cala as palavras, e as discussões, dar-se a mãozinha na rua, ou deixar-se a mãozinha ao relento, trocar só o olhar, eu dou-te o meu tu dás-me o teu, o beijinho no pescoço 'enrolado pelo chão', e depois depois passa o tempo e Zás, instala-se a rotina e achamos eh pah eu acho que não é isto E nos cansamos Até que desponta novamente um tremelique, um engasgar, um sonho iludido sem quotidiano. e Zás lá vamos nós outra vez, Enganados.


nos meus 14 anos revoltados, de resposta na ponta da língua, aguçada e seca, a minha mãe dizia-me, ao ver-me entre lágrimas, a chorar fininho por um amor que nem chegara a ser, que ficara por conquistar e que doía na ilusão,

tu ainda não sabes o que é o amor.


(tinha tanta razão. ainda não sabia. mas, pergunto, e quando é que eu vou saber?)

(entre-tantos)

.
o j., sugestionado pelo site menos boring do século, diz que a melhor forma de tomar decisões é mandar a moeda ao ar.
.
eu, enquanto ela subia e dava cambalhotas inimagináveis no ar, enquanto ela rodopiava lá encima,
.
lembrei-me de ti.
.
.

sexta-feira, outubro 01, 2010

'right to be wrong'

assim lá a meio disse-me que tenho o direito de ser ridícula. sério? de ser ridícula? de ser parva, parvinha, parvalhona? de fazer figura de insignificante? tenho o direito de ser? de ser o que eu sou?

OBA!
muito agradecida, meu estimado querido psicólogo. muito agradecida. e caramba se não vou exercê-lo. ah vou pois!

e só para começar vou já gritar aqui disparates sem sentido frei3qiwrjsdngfsrj gurksmfjioq3ºksdkça kokldºçl xhajjkf jesf jsjkjdf jnsjdlks dfbnfkedka dçw98r9damskf hkjd-isjlkclm njdlkoxkf JHJDJSIJDSJK JKKXFILSJKDKMSMKLDFJSIJ JCHSLAPO0+EO0WJ jshfjiowus9idopskl huhdusjkl oooOOOOOOhhhhhhhHHHHHHHHH yyYYyYYYYYEEEEEEEEEEEEEEEEAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAhhhhhhhhHHHHHHHHHHHHHH!

quarta-feira, setembro 29, 2010

desaire


matou-me o menino. ontem,
no meio da calçada. matou-me o menino da pistola em punho. ergueu a mira e posicionou. depois, com o olhar franzido e o sorriso maroto, puxou do gatilho e fez

Pum!

imagino a pistola carregada. a bala mortífera. não teria tempo de pensar, por certo. mas
era só cola, por sorte. era apenas uma pistola de cola.

(passam os filmes na TV. os heróis de arma em punho, os cowboys. não, os assassinos natos, os terroristas; vivem os vilões no jogo. a tarefa é matar e vencer. há o prazer expresso no herói. há os pontos amealhados. o próximo nível.há também o terror dos que são mortos. há o medo, o sofrimento. nas faces estende-se o esgar infeliz da sensação que percorre o corpo. o sangue esvai-se. há gritos. e os meninos, vêem? porque não haviam de ver?

juro que não percebo, será inato? porque é que preferimos o gozo do poder à compaixão pelo sofrimento.)


segunda-feira, setembro 27, 2010

a guerra das rosas*




não sei se todas as letras são vidas. mas muitas vidas, amores, há
que são esta letra.


(* Camané, Do amor e dos dias, 2010)


quinta-feira, setembro 23, 2010

you're asking me how far will my love go. i don't know, i don't know.






"... You're asking me will my love grow,
I don't know, I don't know."


mas
"... Stick around, and it may show. "



quarta-feira, setembro 22, 2010

negligência


porque vale a pena dar a conhecer repetir divulgar espalhar gritar. até que a garganta doa. até que os olhos chorem. até que alguma coisa mude.


sexta-feira, setembro 17, 2010

instintos (restruturados)

ela entrou, balanceou entre as varas de suporte, como macaco de galho em galho, e deixou-se a rodopiar no meio do autocarro. tinha a pele morena e os beiços inchados. calças justas de ganga com t-shirt de cor incerta. tinha também o cabelo enrolado, longo, a terminar num caracol escuro. mas o que nela cativou foram os rugidos, os balbúcios tenebrosos com que falava ao telemóvel. vinha numa conversa crua que alongava em silêncio e quebrava logo de seguida com violência, chuviscando as pingas da fala e mostrando os dentes roídos decerto pelos açúcares da gula.

era um cenário de suster a respiração. era vê-la mandar bufos de impaciência, levando as mãos à testa pequenina, ao crânio minúsculo. era vê-la mover amplamente os cotovelos como se pudesse afastar os demónios que a atormentariam. era vê-la. e logo se nos estarrecia a visão.

depois, já certo consumida de maldizer a vida e quem lhe falava do outro lado, deixou-se cair no banco. entrevi-lhe o desespero. mas ignorei.
toca para parar o autocarro. pára. sai uma mãe com a filha pequena pela mão. sai ela também.

observo ainda. os olhos prendem-se-lhe no quadro que mãe e filha pintam ao andar. na mãe e na filha. na filha. então, curiosa, sem desfitar, noto-lhe o olhar. deixo-me ficar nele. os olhos pestanudos contemplam enternecidos a cachopa. e alonga-se nos beiços inchados um dos sorrisos mais benevolentes que já vi.

eu? fujo depressa. enfio-me num buraco cá dentro. e vejo-me a diminuir a diminuir a diminuir. até ficar mirrada que nem uma criatura oca.


(tenho este terrível hábito de observar demoradamente as pessoas. mas, ainda assim, a contínua insatisfação de não lhes conseguir descobrir os fundos.)

finito infinito

         
passo na Baixa. na esquina da Câmara, um velho olha o futuro, apoiando na bengala gasta a mão encarquilhada. tem o olhar preso. a postura imóvel. olho para ele enquanto avanço. penso: apetecia-me perguntar-lhe o que vê. para o que dirige o olhar tão atentamente. se vale uma vida. queria tanto saber.

mas depois desiludia-me, com toda a certeza.

(prefiro tecer o sonho, colar-lhe as pontas. construí-lo em castelo e subir nele, percorrendo-o encantada. ficar lá. do que depois ter que o partir contra a realidade.)
       
       
    

quarta-feira, setembro 15, 2010

Causas para a desgraça dos povos (IV)

os meninos na praia à noite. uma tenda montada. as dunas minúsculas, ondulantes, fazendo desenhos sombrios. os caracóis loiros, as perninhas lançadas no chão, a mão rechonchuda e rosa que se estende ao alto. lança a areia num fiozinho que escoooorre. e cai cai cai, como mil estrelinhas doiradas transformadas em prata pela luz da lua. tudo isto encoberto, sob o olhar vigilante de um pai que, de dentro da tenda, observa. deitado sobre a bossa estomacal, afasta os olhos da criança à medida que se aproximam os vultos curvilíneos. nas covas oculares, revolvem-se-lhe os olhos sempre que passam as moças. e um olhar negro, voraz, lança-lhes no caminho a baba que se desprende dos lassos beiços. "queres companhia?", ataca.
remexe ainda na areia, o menino, lança-a ao alto, enquanto deita o olho à cena. enquanto, sem se aperceber, a vai guardando na memória.

(tanta inocência que se estreita, e que desaparece, sufocada pelas mentes instintivas e insatisfeitas destes pais.)

segunda-feira, setembro 13, 2010

'we used to wait'




















humor negro






















(Sabugal, Portugal, Agosto 2010)


(sempre me soube melhor trinchar a carne no prato depois de saber
que era daquela vaquinha super fofa da vizinha.)


quinta-feira, setembro 09, 2010

malmequer

um bom dia
um mau dia
um bom dia
um mau dia
um bom dia
um mau dia
um bom dia
um mau dia
um bom dia
um mau dia
um bom dia
um mau dia
...
n+1.


(nunca acaba. acaba?
e porque é que não se chama bemmequer?)

segunda-feira, setembro 06, 2010

who are you

       
ca'los c'ús. era assim que, na idade tenra, a minha irmã chamava o apresentador do 123. era o seu predilecto. estava na inocência de achar, ou de nem pensar, que um homem só deseja uma mulher para lhe dar beijinhos e ser mãe de filhos. que um homem só deseja uma criança como pai, ou como irmão mais velho, para a amar candidamente. nunca para encontrar na sua pele doce o que não encontra no companheira/o. nunca para encontrar nas suas entranhas algum prazer.

saiu esta 6aF no Público uma reportagem sobre o Parque Eduardo VII. falava-se dos cenários que se criam. da prostituição por prazer, por dinheiro. das fugas às rotinas. das rotinas alternativas. e das personagens. o sérgio é casado e a mulher "nem sonha que ele faz aquilo". ele vai buscá-la ao emprego, jantam, conversam e fazem amor. só depois, pela calada da noite, enquanto ela dorme, vai satisfazer os outros. ela não lhe conhece as faltas. as necessidades. desconhece-lhe a incompletude que o preenche e que, noite após noite, procura numa vida pouco bem vista aos olhos da sociedade convencional. estes familiares são outsiders. são gentes que vivem na incredulidade que estas coisas acontecem perto. o que ouvem são estórias que se contam, estórias de gentes doentes. mas, acima de tudo, de gentes distantes.

quando os noticiários anunciaram o escandâlo dos meninos da casa pia e dos seus intervenientes, descaiu-nos o queixo. caiu perante o povo, e caiu perante as famílias dos acusados. como se lida com isto? com um lado lunar que desconhecemos e que faz parte de quem amamos? é passível de ser amado? prefere-se acreditar e perdoar, ou é preferível negar e acreditar no que o parceiro nos assegura? de qualquer das formas, é preciso muito amor. ou muita "logística".

depois das sentenças lidas, passou-me pela cabeça a possibilidade de eles serem 'inocentes'. dessa ínfima possibilidade que tantas vezes escapa às mãos da justiça. da possibilidade de haver essa possibilidade. e ficou a dúvida. a germinar. mas absolvidos ou não um dia, o povo julgou o que ouviu. e foi inflexível. após a confiança traída, não há veredicto que lhes volte a caiar as vidas.

depois das sentenças lidas, ficam as mulheres dos réus. as famílias. pois ainda que declarada persistentemente a inocência, fica a pairar, como abutre incansável, a possibilidade de eles serem mesmo culpados.


(não há nada mais corrosivo do que a dúvida. quando a confiança é abalada, é ela que lhe destrói as bases.)
       

 

quarta-feira, setembro 01, 2010

stupidity


"... suppose i never ever met you
suppose we never fell in love
suppose i never ever let you kiss me so sweet and so soft
suppose i never ever saw you
suppose you'd never ever called
suppose i kept on singing love songs just to break my own fall..."*


teria sido melhor?


(*Regina Spektor, Fidelity from Begin to Hope, 2006)


quinta-feira, agosto 19, 2010

antes de dormir, fecho os olhos. e raramente penso nisto.



(Prašná brána, Praha, Agosto 2010)



penso noutras. gosto de me perder no pensamento circular.

(há um certo sentido masoquista em ignorar o que realmente interessa.)



terça-feira, julho 27, 2010

expressões caseiras (i)


o meu pai:
- fulano era um papagaio, era um papagaio!
eu, curiosa com o sentido das coisas:
- hem? um papagaio?! mas o que é que isso quer dizer?
o meu pai, seguro que estava já tudo dito:
- olha, porque falava... falava aereamente!



(pois.)


terça-feira, julho 20, 2010

montras



servimo-nos aos outros enfeitados.


















                
mas ninguém sabe o que temos cá dentro.


            

terça-feira, julho 13, 2010

As relações, em versão Sobre Rodas.


1. as amarras da solidão


















2. contra a parede


















3. o jogo das escondidas


















4. as quedas


















5. ménage à trois


















6. os amores impossíveis


















7. os amores possíveis


















8. a versão familiar



















(como em tudo na vida, o difícil é manter o equilíbrio.)



domingo, junho 27, 2010

quando x tende para o infinito, y vai-se reduzindo a nada.


havia um rei.
sonhar uma coisa é querê-la.
nas pontas dos dedos. tocá-la.
querer tocá-la.

querer uma coisa é consumi-la. no sonho,
com o pensamento.
desejá-la.

eu-que-ro-te. quero
-te. como te imagino.

estendo os dedos e alcanço-te.

és-tu-a-qui.

és ouro. ouro. [mas...] ouro para quê?
tornas-te não comestível,
não consumível.

tu aqui deixas de ser alcançável -
passas a ser alcançado.

não aprazível.


tu-can-sas-me.


o que eu quis não é o que eu devia ter querido. o que é que eu
quero
? o que é que eu
vou querer?

sonho. quero
outra coisa qualquer. de preferência

não-al-can-çá-vel.


(quando o sonho tende para o infinito, a vida vai-se reduzindo a nada.)


terça-feira, junho 22, 2010

josé



















         
O cidadão tem braço curto. Chega à urna. Mas
o poder está mais acima, não lhe pode tocar
.”



(José Saramago, palestra na Faculdade de Economia UC, Coimbra, 1-4-2004)

 

segunda-feira, junho 21, 2010

quarta-feira, maio 26, 2010

domingo, maio 23, 2010

debaixo do silêncio




(a todos os que desesperam quando se perdem no caminho.)



*Jacques Brel, 1966, Les désespérés


sábado, maio 22, 2010

Se (2)

  
há o motorista de autocarro com os olhos escorridos atrás dos óculos escuros. há o pendura que entra no autocarro, que conhece o motorista e por isso lhe leva a viagem de borla. já viu o que era eu agora ir a pé até lá abaixo sob este calor, era uma crueldade!. há o rabo de cavalo loiro-a-caminhar-para-o-grisalho, sujo e desleixadamente preso. há a magreza extrema. há os dentes, um ou outro, a enfeitar a caverna que se abre num sorriso. há a conversa que, com muita pena minha, tive que deixar a meio.

motorista:
- olhe, eu, comecei o dia primeiro que você!
pendura:
- então, pois claro que sim. levantou-se primeiro que eu! agora, já viu, se eu me tenho levantado antes de você, tinha eu começado o dia primeiro!

   
          

sexta-feira, maio 21, 2010

prime number

    
quando achas que não tens lógica nenhuma.
e, afinal, até te acham uma.
           
             


domingo, maio 09, 2010

sábado, maio 08, 2010

homónimos perfeitos (I)



passa o pai com o filho na idade de perguntar.
ouve-se o pai:
- o que é o grelo...? hh... o grelo é uma fita...

o miúdo escuta, quer saber. eu também: DE ONDE RAIO vem a pergunta! ah... afinal é a Queima. e o seu profundo sentido das coisas.