terça-feira, março 29, 2011

«No man's error becomes his own Law, nor obliges him to persist in it. »

         

Morreu Susan Atkins, uma das "raparigas de Charles Manson" ... Depois da sua morte, o marido escreveu no site que mantém sobre ela que "ninguém na Terra trabalhou tão duramente como Susan para corrigir um erro incorrigível".

(até onde podemos errar?)

        

Adão e Eva


De há uns anos para cá que reparo neste facto. A resistência das pessoas em mudar de estado. Óbvio, dir-me-ão alguns: poupança de energia. De facto, e num exemplo muito concreto, tendemos a manter os guarda-chuvas abertos quando pára de chover. E isto é uma poupança de energia, certo? Pois. Fechar o guarda-chuva implica inovação, mantê-lo aberto só implica rotina. E um braço erguido com músculos contraídos na continuidade de um tempo. Poupança de energia? (Bah…).

Parece-me que este facto reúne não só fragmentos de inércia, ou de preguiça, mas também outro tipo de evidência: de facto, muitas vezes só damos conta que parou de chover quando olhamos para o sujeito ligeirinho que nos ultrapassa. E o que tem este sujeitinho de especial? É que este sujeitinho passeia-se de guarda-chuva a balançar no braço (i.e. fechado). Nesse momento, e nesse exacto momento, damos conta que:

- Oh, parou de chover! Oh, ele já fechou o chapéu! Oh, e eu não!

(dito por outras palavras, a consciência do próprio através da consciência do outro. Ou seja, o que acontece é uma actualização da revelação do jardim do Éden: - Oh, estás nu! Ah! E eu também! – simplesmente, agora, numa situação de desigualdade: Ah, e eu não!)

E o que acontece a partir daqui? Isso é outra questão. É que a comparação com o outro tem muito que se lhe diga. De facto, quando vemos um sujeitinho a passear de chapéu a balançar, fechado, percebemos que (a) o outro tem o chapéu fechado, e (b) nós temo-lo aberto, que (c) ou ele é parvo, (d) ou nós estamos desactualizados. Cedo nos apercebemos que, afinal, (e) parou mesmo de chover e que (f) o outro está já melhor adaptado à situação. Logo, inevitavelmente, (g) sentimo-nos ridículos.

E o que fazemos quando nos sentimos assim, (g) ridículos e (d) desactualizados? O outro dia, num cenário de chuva-molha-parvos, vi passar por mim pessoal-do-chapéu-já-fechado. Confronto traz consciência, consciência traz decisão – fechei o chapéu. Num ápice, passa por mim um inerte-ainda-com-o-chapéu-aberto. Olhou-me, catrapiscou-me o chapéu-já-fechado, e prosseguiu. Sem fechar o chapéu.

Pasmei. Não pode ser, isto vai contra a hipótese! E até poderia não ser, e poderá não ser assim mas, então, sorrateiro, depois de passar por mim e de passar a dar as suas costas às minhas, eis que o senhor fecha o chapéu [tive que espreitar... ...]. Hmmmm!


(parece-me a mim que há todo um enigma em torno desta questão de fechar ou manter-aberto o chapéu. e a olhar para as coisas, a tentar vê-las, isto é acaba por ser uma revisão de vida: uns andam toda a vida de chapéu aberto, debaixo dele, cegos por ele, sem notar que estão desactualizados. Outros insistem em fechar o chapéu, Chova não chova, é sempre ridículo e eu aguento nevões. E molham-se. Outros, fecham, abrem, tornam a fechar, e não necessariamente em consonância com a queda da chuva. Outros ainda abrem-porque-o-outro-abriu – fazem porque o outro fez, avançam porque o outro avançou - mas, cegos pelo orgulho, insistem em manter-se na sua, em não remediar o feito, em não fechar o chapéu, embutidos numa vergonha essa sim, ridícula - só para não terem que admitir que outro, afinal, está agora melhor adaptado – leia-se, um pouco mais correcto - que nós. E é esta parte da natureza humana que me angustia: quando não nos permitimos o arrependimento só porque não queremos vergar o orgulho. Porque não é o conhecimento de que estamos nus que nos afasta do Éden, pelo contrário, é a recusa em admitirmos que o estamos.)


[Agosto, 2008]


segunda-feira, março 28, 2011

mirabolante


às vezes, enquanto leio artigos em que os autores, cientistas, interpretam os resultados obtidos a partir de análises estatísticas confusas baseados em técnicas que se baseiam em sistemas que têm ainda tanto de desconhecido, em análises em que é sempre possível dar-lhe a volta, às vezes penso que É engraçado como a mente humana é capaz de tirar tantas ilações. Engraçado engraçado é que tudo isto não significasse nada, e que nós passássemos as nossas vidinhas em torno de coisas que não são nada. ou que, pelo menos, não são nada do que nós pensamos que são, acabando nós a calcular a vida por cima disto tudo que não é senão vago, escasso, incerto, múltiplo e hipotético. como a ciência.

(tantas horas passo de cabeça enfiada num ecrã plano, a perder dias intermináveis de sol e chuva e vento na face, e um mar enorme e a areia nos pés, a relva fresquinha e pontiaguda a fazer cócegas, os músculos a correr atrás de uma bola, os músculos a estirar enquanto correm, o sabor das coisas no topo de uma montanha, os banhos gelados no mar de inverno, o sol a cair por entre as árvores e as sombras a crescer nos campos de perder a vista. tanta coisa que se perde que às vezes penso...

valerão a pena todas as horas aqui?)

segunda-feira, março 21, 2011

impressões a cor




com o devido respeito pela espécie e um pedido de desculpas aos anormais [leia-se, fora da norma], dá-me a impressão que, ainda que iluminados pela benesse da inteligência, aqui na terra não passamos de uns GRANDESSÍSSIMOS animais, tamanhas são as atrocidades.
aliás, tenho a dizer que aquilo a que se chama de inteligência, se de facto se aplica aos espécimes, só tende a piorar a coisa.

(inquieta-me. inquieta-me que a luz do sol por entre as nuvens, como se duma benção se tratasse, ilumine nada mais nada menos que estas cabeças. e ninguém me tira da minha que há uma conspiração à escala universal para exterminar a praga em que nos tornámos.)


sexta-feira, março 18, 2011

Penafiel - Porto, serviço urbano


sentei-me. tirei o caderno. abri o caderno. pousei o caderno. (nunca apetece ler nas viagens relativamente curtas de comboio). olhei para fora. olhei para dentro. olhei em volta. vi.

ela, larga e de braços rechonchudamente cruzados sobre si, atravanca o banco. tem os cabelos cinza escuro brilhantemente puxados para trás num pequenino rabo de cavalo. ao lado, ele, o presumível filho, senta-se descaído no banco. puto dos seus trinta, tem nas mãos um leitor de música e na cabeça um boné de pala. ela mostra impaciência, inquieta-se, rumina pensamentos, lançando-lhe olhares furtivos como quem verifica acções. ele, de fones nos ouvidos, rígido que nem pedra, ignora.

ela olha para ele, desanima, remexe os pensamentos e escolhe o que mais a incomoda. ele não ouve, ela repete, queixa-se do som daqueles malditos fones. desespera. ele dá enfim sinais de vida. mexe no mp3 (ou coisa que o valha), deve baixar o som. ela repete. fala da prenda do primo. de quando lhe a deveriam dar. ele, ainda sem sinais de vida inteligente, não responde. mas lança, alguns segundos depois, a sua opinião de adulto a caminho da adolescência: 'oh! então quando foi os meus anos eu também abri antes!'. ela ouve. risposta. desanima. não se entendem. depois,

silêncio.

de rompante, com brados carregados de pronúncia-do-norte,

ele, grave, explodindo gafanhotos, mas sem mexer um cabelo:
- faltam 8!
ela, estrebuchando e num misto de 'surpresa' e 'lá-vem-mais-do-mesmo':
- 8? 8 quê?
ele, como que constatando o óbvio:
- paragens!
ela, no tom mais desesperado que lhe conheci:
- ai balha-me deus! então mas tu estás agora a contar paragens?!
ele, gafanhotando de orgulho (mas ainda sem mexer um cabelo):
- de vez em quando conto!

(devia ser, não sou. adepta de todo e qualquer transporte público. frequento por necessidade, por desespero de causa. prefiro o pé. prefereria também o carro próprio, símbolo de independência. pronto, de comodismo. não tenho. não uso. uso o comboio. gosto do comboio. simpatizo com o comboio. só não suporto autocarros. frequento por pressa, por preguiça. e, repetidamente, arrependo-me. sempre. mas então, dentro, encharcada nos bafos quentes da manhã, no cheiro ao ácido dos dentes, nos suores das corridas breves, na água dos guarda-chuvas; depois de longos períodos de espera na paragem, de longos períodos de espera na estação; depois das impaciências, dos apertos para entrar, dos empurrões para sair, aperece-me sempre um marmanjo que me rende a viagem. e pergunto-me - respasto-me até a pensar que! - se andasse sempre pelo meu pé em viagens solitárias, ou enfiada dentro de um carro, como seria possível contemplar tão longa e ricamente estes presentes do quotidiano?)


[Julho, 2009]

quarta-feira, março 16, 2011

Fernando José



"... estas palavras, ditas da forma serena mas firme..."

eles tinham a solução. eles eram a solução. o início. mas foram só um instante. quem quis ficou e, deixando, corrompeu-se. quem quis, partiu. deu o mote e prosseguiu. porque depois da conquista os abutres retalham o corpo, sedentos.

(deve ser triste de ver.)

continuo a achar que não há solução para isto. porque não há solução para a natureza humana. digam o que disserem. o que acontece a homens como este? eu digo: porque são íntegros, fazem o que têm a fazer e, depois, retiram-se. acho que sabem que não podem ficar lá, acomodados, durante muito tempo. que o envenenamento do Poder vem matreiro, aos poucos. que depois lhes sobe o estado febril. que depois mudam, mudam os princípios, deixando intactas as opiniões. pena, porque se os princípios são bons, deviam ser mantidos. serem princípios, meios e fins.

não lhe encontrei outra entrevista. para quê outro exemplo? ele já o deu. há os homens que se enrodilham no pensamento e os homens que o usam para a acção. este homem, se teve medo, não lhe deu espaço de manobra. nem deu espaço à dúvida. "Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os estados sociais, os corporativos e o estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos! De maneira que, quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e acabamos com isto. Quem for voluntário, sai e forma. Quem não quiser sair, fica aqui!"

(eu fiquei. não sei bem é onde.)


N* = N - {0}



foto e arte: s.

o problema não é ser-se mau em algumas coisas.
o problema é nao se ser bom em coisa nenhuma.


(é que bastava só uma coisinha para nos entreter a auto-estima. menos que isso, por favor, não. não há mais-ou-menos nestas coisas, ou casas decimais, ou aproximações: o que quer que sejamos, queremos sê-lo [por] inteiro.)


terça-feira, março 15, 2011

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imagine-se uma conversa entre duas pessoas:

- então preciso saber isso...
- ok, pronto. deixa se me lembro.
- é importante...
- está bem, espera... ah!
- diz
- já me lembro! foi o

súbito!, uma vala imensa abre-se perante os seus pés, fazendo com que a pessoa com quem estamos a conversar desapareça num piscar de olhos.
hm...
uma vala? sim.
imensa? exacto.
mas isso é:
pouco provável? certo...
estúpido? um pouquinho.
pois. mas é exactamente a isso que me soa quando uma conversa electrónica fica a meio sempre que a internet cai.

segunda-feira, março 14, 2011

e que se tenha uma atitude diferente, que não encaixe?! que se batam por ela, e não se deixem simplesmente levar pelas massas.


isto abaixo, daqui.

"Um 'e-mail'

Uma leitora, Ana Caraballo, enviou-me um e-mail que cito com autorização.

"Trabalho a recibos verdes, e não vou protestar pelo direito a um contrato de trabalho, nem pelo fim dos recibos. Não quero nada disso. Quero continuar a trabalhar a recibos verdes, pasme-se. Quero ser freelancer, que loucura! Quero ser dona da minha reforma, do meu tempo, do meu nariz, quero ser dona daquilo que ganho com o meu trabalho e não andar a sustentar este Estado gordo e despesista. É que ninguém se lembra que a precariedade pode ser o facto de nos extorquirem aquilo que ganhamos sem qualquer ajuda do Estado. Não quero um lugar cativo de onde não posso ser despedida, faz-me bem ser competente e dar o meu melhor, mantém-me actualizada, mantém-me viva! Não quero subsídios de férias. Quero gerir aquilo que ganho de modo a fazer as minhas férias com os meus próprios recursos. O drama é que com esta carga fiscal não consigo gerir aquilo que ganho. Como é que se explica que quem tem menos direitos tem mais deveres? E aqui escreve-lhe uma pessoa que não quer essas porcarias desses direitos. Quero uma redução dos deveres. Quero o Estado o menos possível na minha vida. Não quero nada deles e quero que precisem o menos possível de mim. Nunca votei em nenhum deles."

Ao que sei, a Ana é "jovem". Ao que sei, a Ana participou na manifestação dos ditos "à rasca". Ao que sei, a posição da Ana é desalmadamente minoritária num desfile dominado pelo mito reaccionário da "estabilidade", apropriado pela extrema-esquerda e enfeitado, com certa naturalidade, por skinheads. De qualquer modo, a lucidez da Ana previne contra generalizações abusivas das pessoas que, desgraçadamente, se deixam definir enquanto "geração". Para lá das lamúrias dos "jovens" oficiosos, para lá dos resignados hinos de Homens da Luta e Deolindas, ainda há quem privilegie a liberdade. Ainda há vida, portanto, mesmo que o seu carácter residual, quase excêntrico, já não permita o luxo de haver esperança."


(e se a atitude nos arremessar às massas? força. mas se não for por aí, porque é que tem que ser por aí?)


sábado, março 12, 2011

Silogismo hipotético condicional


Se Sócrates é homem, então é mortal.

(Todos os ciclos têm um fim. O problema é se o Sócrates não é homem...)


quinta-feira, março 03, 2011

toca no ponto, e torces a peça.


comprei um frigorífico. vocês ainda não sabem a história do frigorífico? eu vou-lhes contar.
comprei um frigorífico num outlet. o que equivale a dizer que vinha com defeito. e que eu o aceitei assim, com defeito. e que paguei por ele, com defeito. pois, amolgadela aqui, amolgadela ali, enfim, aceitável para o preço. o que eu não contava é que ao pagar um serviço de entregas, e ao ser executado o serviço de entregas, a lista de defeitos aumentasse. portanto, o produto saiu da loja com umas amolgadelas, e chegou cá a casa com um pé torcido e partido. claro que uma pessoa nunca vê o essencial no acto da recepção caseira, nunca vê os defeitos escondidos quando se apaixona e consegue enfim ter o objecto amado entre os bracinhos esperançosos e desesperados. com a convivência, a saudação, o abrir de portas, a conversa, é que uma pessoa vai também abrindo os olhos e lá percebe: ora bolas, afinal é coxo.

15 dias não passados, ainda há espaço para a reclamação. ou muda agora ou curvinha com ele! e começa a odisseia da reclamação. telefono aos pais, descartam, não têm culpa do pé, foi pelos caminhos da vida que o torceu decerto. quero lá saber! vocês são a origem, e ele já vinha com defeitos da origem. não me venham com coisas, paguei-vos a peça, comprei-vo-la com alguns defeitos. agora, pelo caminho chegar com outros, oh meus amigos, isso é que não pode ser: tem que mudar, haja paciência mas não lhe quero o pé assim.

o ideal seria mesmo desatarraxar o pé partido e colocar um novinho. ora que beleza. e reivindico, reivindico um pé novo! mas... se o encaixe já vem torto, que peça direita lhe encaixará?... baixo os braços a metade. estou a ver que, perante as dificuldades, os responsáveis pela peça se escaparão. de fininho, piarão que aceitei a peça, que me amanhe com ela. estão os braços encolhidos, mas os cabelos em pé! telefono, quero saber como é, responsabilizações, estou piursa. adivinho já, antecipo, sofro o desfecho trágico. e construo sobre a hipótese do desfecho trágico. engrandece-se-me a raiva, o coração a palpitar, o sangue a crepitar. telefono e desfio que aquele pézinho está tão aleijadão que nem muito amor e boa intenção o poderão reparar. que quero uma solução. "obrigada pelo seu contacto, pode aguardar?". aguardar? o quê?, a solução? que remédio! duas, três vezes, aguardar. enquanto pago eu ao impulso. estou com os nervos na ponta, já quase a saltar da franja. a temer o pior, estou mesmo para lhes saltar encima e pedir o livro de reclamações e exigir o dinheiro de volta do serviço de entrega e gritar-lhes e enchê-los de mim

quando,

muito lentamente, uma emocionalidade me começa a percorrer os bracitos trémulos, os cabelos eriçados, e a preencher os poros. algo positivo e bonito e afável. e condescendente! que se passa?! não!, por favor não, estou a amolecer??! não pode. quero estar enraivecida para andar ao soquete se for preciso. e se-andar-ao-soquete-se-for-preciso quero estar com os punhos duros para ganhar. quero ser implacável, não quero amolecer caramba!

estou em espera, ainda. e enfim apercebo-me: de fundo, enquanto eu imergia ingenuamente nos meus pensamentos ruminativos profundos, ficara a tocar, como que por acaso a preencher o silêncio, uma musiquinha profundamente lamechas e romântica e doce, e incitadora de condescendências!: "you were once, twice, three times a lady...".

(caramba para a Psicologia de Marketing Aplicada.)