quinta-feira, março 03, 2011

toca no ponto, e torces a peça.


comprei um frigorífico. vocês ainda não sabem a história do frigorífico? eu vou-lhes contar.
comprei um frigorífico num outlet. o que equivale a dizer que vinha com defeito. e que eu o aceitei assim, com defeito. e que paguei por ele, com defeito. pois, amolgadela aqui, amolgadela ali, enfim, aceitável para o preço. o que eu não contava é que ao pagar um serviço de entregas, e ao ser executado o serviço de entregas, a lista de defeitos aumentasse. portanto, o produto saiu da loja com umas amolgadelas, e chegou cá a casa com um pé torcido e partido. claro que uma pessoa nunca vê o essencial no acto da recepção caseira, nunca vê os defeitos escondidos quando se apaixona e consegue enfim ter o objecto amado entre os bracinhos esperançosos e desesperados. com a convivência, a saudação, o abrir de portas, a conversa, é que uma pessoa vai também abrindo os olhos e lá percebe: ora bolas, afinal é coxo.

15 dias não passados, ainda há espaço para a reclamação. ou muda agora ou curvinha com ele! e começa a odisseia da reclamação. telefono aos pais, descartam, não têm culpa do pé, foi pelos caminhos da vida que o torceu decerto. quero lá saber! vocês são a origem, e ele já vinha com defeitos da origem. não me venham com coisas, paguei-vos a peça, comprei-vo-la com alguns defeitos. agora, pelo caminho chegar com outros, oh meus amigos, isso é que não pode ser: tem que mudar, haja paciência mas não lhe quero o pé assim.

o ideal seria mesmo desatarraxar o pé partido e colocar um novinho. ora que beleza. e reivindico, reivindico um pé novo! mas... se o encaixe já vem torto, que peça direita lhe encaixará?... baixo os braços a metade. estou a ver que, perante as dificuldades, os responsáveis pela peça se escaparão. de fininho, piarão que aceitei a peça, que me amanhe com ela. estão os braços encolhidos, mas os cabelos em pé! telefono, quero saber como é, responsabilizações, estou piursa. adivinho já, antecipo, sofro o desfecho trágico. e construo sobre a hipótese do desfecho trágico. engrandece-se-me a raiva, o coração a palpitar, o sangue a crepitar. telefono e desfio que aquele pézinho está tão aleijadão que nem muito amor e boa intenção o poderão reparar. que quero uma solução. "obrigada pelo seu contacto, pode aguardar?". aguardar? o quê?, a solução? que remédio! duas, três vezes, aguardar. enquanto pago eu ao impulso. estou com os nervos na ponta, já quase a saltar da franja. a temer o pior, estou mesmo para lhes saltar encima e pedir o livro de reclamações e exigir o dinheiro de volta do serviço de entrega e gritar-lhes e enchê-los de mim

quando,

muito lentamente, uma emocionalidade me começa a percorrer os bracitos trémulos, os cabelos eriçados, e a preencher os poros. algo positivo e bonito e afável. e condescendente! que se passa?! não!, por favor não, estou a amolecer??! não pode. quero estar enraivecida para andar ao soquete se for preciso. e se-andar-ao-soquete-se-for-preciso quero estar com os punhos duros para ganhar. quero ser implacável, não quero amolecer caramba!

estou em espera, ainda. e enfim apercebo-me: de fundo, enquanto eu imergia ingenuamente nos meus pensamentos ruminativos profundos, ficara a tocar, como que por acaso a preencher o silêncio, uma musiquinha profundamente lamechas e romântica e doce, e incitadora de condescendências!: "you were once, twice, three times a lady...".

(caramba para a Psicologia de Marketing Aplicada.)

2 comentários:

O Chefe disse...

Ou ficar apeada na casa dos "pais" porque se perdeu o último autocarro. :P

menina de porcelana disse...

lol! realmente, os "pais" gostam sempre de nos ter por perto... ao ponto de nos reterem forçadamente! ;)
e quando não são os pais... são os "tios"! ;P