terça-feira, dezembro 27, 2011

caixinhas de música

    
penso que nós somos mais ou menos assim. pomo-nos a correr e a saltar e a dançar assim que nos dão corda. mas à medida que o tempo passa, o entusiasmo vai diminuindo, a energia baixando, e a dança ficando mais lenta. e para voltar a dançar, precisamos mesmo que nos dêem corda outra vez (se o estado do manípulo ainda o permitir). 
então saltamos corremos e dançamos, como se não houvesse depois. até que... pac!, subitamente paramos. que se passou? batem-nos no peito numa tentativa de reanimação, abanam-nos a tentar avivar o sangue nas veias. nada! oh vá lá. então plaf!, plim plim plam plim tlim plim tlam plim, voltamos à dança! 
ufa, afinal estávamos só encravados...

(impossível saber quando vamos parar. por isso, concentremo-nos na dança.

BOM ANO! :) )

       

terça-feira, dezembro 13, 2011

Os estados de espírito, em versão Sobre Rodas.


       
9. deixei-me aqui a um canto, e remeti-me aos blues.


(Jodhpur, India)
       
       
(começo a crer, muito sinceramente, que as bicicletas traduzem com bastante fidelidade muita coisa da vida. isso e tudo aquilo que observamos com suficiente paciência e imaginação. ou então que simplesmente apareça.)
        
        

terça-feira, novembro 29, 2011

"Porque o único sentido oculto das cousas É elas não terem sentido oculto nenhum." (i)

                             


Rambo III (1988), Peter MacDonald.



         
           
(o complexo - a sério mesmo - é resistir a ver o que não se vê, e deixar aparecer o que está à vista.)
         
                   

segunda-feira, novembro 28, 2011

justificações (I)

   
a porta abre-se. a senhora, até então mastigando suavemente uma qualquer patanha industralizada e amarfanhando na mão o respectivo invólucro, recorre a um movimento veloz para arremessar com pontaria o pacote já vazio para o exterior do autocarro.

os meus olhos arregalam-se enquanto, sob o tremendo efeito pop-out, sigo o trajecto do movimento braço a estender-se, invólucro arremessado, movimento braço em repouso. depois, passando esse efeito e começando outro, também o meu olhar se remete ao descanso. a senhora repara que eu reparei. faço por não olhar. a senhora não resiste. tem a formar-se na garganta, já quase a engasgar com o tamanho do novelo que se criou, uma justificação.

- pois... eles dantes tinham, mas agora já não põem caixotes do lixo nos autocarros. não se devia mas... também não dá jeito nenhum andar com aquilo na mão...

- pois..., remeto eu com um olhar fugitivo. na verdade, existem certas partículas da língua portuguesa que substituem silêncios incómodos face a justificações questionáveis mas não questionadas.

          
(se uma pessoa for a ver bem, são realmente incríveis as justificações que arranjamos para aquilo que fazemos. e até mesmo para aquilo que acabamos por não fazer.)
  
            

quarta-feira, novembro 23, 2011

mimos

        
andam os dois na fisioterapia, talvez pela já avançada idade. ela, de estatura baixa, anafadinha, mas bem maquilhada e penteada. ele, alto mas sereno, discreto e humilde. olha-nos com um sorriso escondido, curioso, mas cansado, enquanto vagarosamente muda de posto por entre as máquinas e ferramentas de exercício.

- então homem? toca a acabar isso!, solta ela despachada enquanto sai de uma sessão de gabinete. ele levanta-se, enferrujado e sem pio, ainda que não tenha acabado o exercício.
ela, visivelmente extenuada, e sem aguentar as coxas roliças, senta-se arfante enquanto empunha a bomba da asma:
- ai eu não consigo, tens que ir buscar o carro...

(mas este senhor ainda conduz?, penso eu...)

ele balbucia qualquer coisa de fininho, sempre muito submisso, e acede.
- fazes marcha a trás e apanhas-me aqui à porta.

está bem. ele diz-nos boa-noite num sorriso sumido e segue. a senhora relaxa, olha para nós com as faces rosadas e contentes, e encolhe os ombros. penso que vê em nós empatia. pois. eu imagino. imagino o ar gasto, abatido, mas conformado com que ele deve fazer o curto caminho até ao carro. e encolho os ombros também.



(por trás de uma mulher resoluta, segura e despachada, costuma haver um homem que lhe faz as vontades.)
         
        

domingo, novembro 20, 2011

humano

       
ajustas o micro, dás as últimas afinações na guitarra e soltas o primeiro acorde. a sala, até então em burburinho, sustêm a respiração e estanca no peito o coração. tudo te olha, a ti a à tua guitarra, à forma como a dedilhas gentilmente, como se fosse a pele de uma mulher.
há um ou outro que sussurra ainda, que dá risadinhas finas, outros que se deixam embalar adomecendo. mas, homem ou mulher, apaziguado ou revoltado, todos acabam por te seguir a música embevecidos. e nem que apenas um esboçasse um breve sorriso nos lábios, faria valer a pena essa dança cuidadosa em que enleias os dedos, e o mundo.
       
(há esperança para nós?)
        
          

who are you?

  
      
ao contrário de ninguém, e até muito mais que alguém, acho que somos muitos.
às vezes, até, demasiados.       
           
        
             



quarta-feira, novembro 16, 2011

figuras com estilo (ii)

                                



















(segundo placard da linha. mas haveria mais? não sei. o que eu sei é que, depois de ler duas coisas destas, até me apetece seguir criteriosamente as regras de trânsito.)
           
           
            

segunda-feira, novembro 14, 2011

figuras com estilo (i)

                  
 
(hajam políticas assim. mas a sério.)
       
               
        

quinta-feira, novembro 10, 2011

há de tudo (ii).

           
ele
- like it?
eu
- no, thank you.
ele
- what are you looking for?
eu
- no thank you, i don't want to buy.
ele, sem desistir,
- we have everything, everything is possible!
        
          
(como se chega ao sab kuch milega na Índia. do nada. ou do que quer que seja. e talvez seja por isso que funciona.)
 
         

quarta-feira, novembro 09, 2011

há de tudo.


ele
- want to buy?
eu, desprendendo o olhar de uma peça,
- no thank you.
ele
- how much?
eu
- i don't want it. i'm looking for something...
ele, já eu a afastar-me,
- which kind of something?


(mesmo para indefinidos.)
     
   

sexta-feira, outubro 21, 2011

viagens (ii).

gosto de pensar que quando voltamos, voltamos diferentes. é assim nas grandes viagens. e até nas pequeninas. naquelas em que embarcamos todos os dias.


(mas também gosto de esperar que a diferença não resida em nós-sem-tantos-bichinhos e nós-com-bichinhos-a-mais.)










quarta-feira, outubro 05, 2011

brainycapped (I)

estive a pensar e acho que a idade ideal para se ter filhos é quando ainda se tem saúde mental. por essa altura, ainda existe função cerebral suficiente para se conseguir deixar de olhar para o umbigo e reparar que existem outras pessoas que coabitam connosco. e que poderão existir seres de menores dimensões e faculdades a necessitar de uma mãozinha para sobreviverem. mais, por essas alturas, há ainda a vontade de se criarem seres melhores, bem adaptados ao mundo e que a ele não sucumbam. e, claro, há também ainda a esperança de que tudo isso é possível.

depois disso, lamenta-se, mas a auto-centração destrói qualquer paciência para dar conta do outro. ou para que haja de facto outro. e, quando por acaso for notada a presença do outro, destrói também a paciência de lhe estender um dedito que seja - gasta-se demasiada energia, e uma pessoa já está cansada. cansadíssima aliás. portanto, a haver outro, que seja sem problemas. e se os tiver, paciência, you've got your problems i've got mine. de qualquer forma, para quê andar a criar mais pessoas, e a dar-se a trabalhos quando, perdida já a saúde mental do próprio, é óbvio que mais tarde ou mais cedo as crianças se tornarão adultos e perderão também a sua. e não a perdendo é porque têm truques, os truques dos espertos, dos pérfidos, senhores neste mundo, e que ludibriam o resto, os fracos de espírito. ou de mente. e que assim não vale a pena.


(tenho para mim que quando se perde a saúde mental irreversivelmente, o corpo seca. e se não seca devia secar. que a natureza sabe o que faz mas nem sempre. e há demasiados seres desamparados neste mundo.)

        

domingo, outubro 02, 2011

consequências da não aprendizagem compreensiva da função da filinha indiana na escola primária.

    

mas a sério? não podem ser dois? vá lá, dois. três é demais, sim, claro, pois... mas dois entravam tão bem! vamos coladinhos coladinhos que nem se nota! já viu o tempo que se poupava na fila das 9? era logo para metade! não? oh vá láaaaaaaaaa. olhe para o meu beicinho descaído. eu tenho dois filhos e uma mulher. e um ou outro primo, vá... oh vá láaa. pleeeeeeeeease! não ainda? mas não mesmo? então amaldiçoada-seja-a-tua-mãe-e-o-teu-pai-e-a-tua-geração,-que-tenhas-doenças-e-nunca-saúde-e-por-belzebu-que-arreganhes-os-dentes-e-nunca-durmas-descansado-e-te-borres-nas-calças-e-que-morras-de-sofrimento-depois-de-veres-todos-os-teus-a-morrer! e ora toma.

 
(este tipo de avisos suscita sempre em mim muita imaginação. pensar no que os desencadeia. nos acontecimentos que ali já tomaram lugar. ah! em toda a maravilha e peculariedade do comportamento humano! ...)
           
         
            

terça-feira, setembro 27, 2011

'get him up. let him live.'


(ver a partir minuto 5:02. não ver se quiserem ver o filme por inteiro.)


Alexandria: Why are you making everyone die?
Roy Walker: Because... everything dies.
Alexandria: Don't kill him.
Roy Walker: There's nothing left for him.
Alexandria: I don't want you to die. Roy. Don't kill him. Let him live. Let him live. Don't kill him. Roy?*





(somos nós o nosso próprio destino. podemos culpar o outro, e o azar, mas isso não muda a nossa responsabilidade. todos temos um secret hell. mas é a vontade. é a vontade.

You should be scaring me
But don't I only scare myself?**)





* The Fall, Tarsem Singh, 2006.
** dEUS, Secret hell, Worst Case Scenario, 1994.
         

segunda-feira, setembro 19, 2011

Dreams (II)




e se caírmos. 
  
nos mundos ao contrário,
não importa se me deixares cair.
       
          
       

quinta-feira, setembro 08, 2011

Do Comunismo (visto às cegas)

       
a primeira primeira vez. quando é bonita. tomara que todas as vezes fossem como a primeira vez quando é bonita. tão bonitas ou mais. quando se descobre pela primeira primeiríssima vez aquilo que nos vai fazer querer respirar, viver o dia por inteiro e dormir só para se poder viver outra vez amanhã. aquilo que nos vai encher o peito. aquilo de que afinal somos feitos e só ainda não o sabíamos.
é tão bonita a paixão pela causa, principalmente quando se torna essa paixão tão natural como  conversar com um amigo, ou dançar quando se está feliz. quando a paixão torna a luta tão essencial como matar a sede. 
é tão bonito ter-se a fé num ideal. e acreditar que esse ideal é possível, e que só pode ser assim, possível. que não há outra maneira. quando se têm mais certezas que dúvidas. que a luta é o caminho. que o caminho é luta, mas por cansados que fiquemos hoje, que seja de lutarmos!, e que amanhã cá estaremos e não estaremos sós. que os camaradas se unem, e a força está na união. que amanhã cá estaremos. que o amanhã virá, e virá melhor. mesmo que não venha. que virá um dia. se não para nós, para outros então. porque haverá sempre luta enquanto houver espaço para a mudança, e a mudança para melhor.

Até amanhã, camaradas!, diz o Manuel Tiago. e eles respondem-lhe certamente, Até amanhã camarada!. e é esta fé neste amanhã - que começa hoje com a luta! - que é tão admirável.


   
(se sou comunista? não. ser comunista é agir em direcção ao ideal colectivo, o qual eles sabem muito bem qual é. eu, vá, também tenho um ideal. também sou idealista. mas fico por aí. e com pena. pois tomara ao meu ideal ser tão concreto quanto o deles.)
             
   

Do Comunismo

        
I - o primeiro contacto

II - a descoberta do símbolo
III - o caminho para se ser livre




IV - a união faz a força

V - o preço da ousadia


VI - o valor do colectivo



* fotos tiradas na Festa do Avante 2011







           
              
           

terça-feira, setembro 06, 2011

o estatuto do foro psicológico

              
Transbordam as nádegas dos assentos revestidos. sob as cochas apertadas nas saias pelo joelho, assentam as mãos gretadas e morenas. os peitos arfam, bicudos, por baixo das blusas de seda, e nas carteiras guardam-se certamente os comprimidos para as diabetes e para a hipertensão. Falam entre si as senhoras, na viagem da camioneta:

- opois no sábado sentiu-se mal.
- mas ele é epiléptico?
- não. deu-lhe um ataque de ansiedade. e no sábado teve que ir ao médico.

- ah, não sabia. mas ele há médico disso? da ansiedade?



(há pois. mas chiu, ninguém sabe, é segredo. é um bicho. um bicho que não se conhece bem. que não se percebe. isto do coração a saltar por motivos que não os intrínsecos ao coração. isto de tremermos sem termos a Parkinson. isto de nos esquecermos desprovidos do Alzheimer. de andarmos tristes sem motivo aparente. nervosos, quando as provas já passaram. cansados, sem trabalhar. sem sono, quando queremos tanto dormir.

mas prepare-se, querida senhora, habitue-se a ouvir destas, que isto só vai aumentar.)
       

segunda-feira, agosto 29, 2011

questões

         
a mãe para a miúda:
- vá anda!, se não nunca mais chegamos ao outro lado da ponte.

a miúda para a mãe:
- e o que é que acontece se não chegarmos?


(é sempre bom saber que ainda há quem questione as coisas. sejam elas o que forem. ou o que quer que nos digam que elas são.)
             
           

quinta-feira, agosto 25, 2011

contexto (i)

      
hoje, o gajo-de-quem-toda-a-gente-foge fez um trocadilho. e, garanto, foi um trocadilho com piada. mas ninguém se riu. eu não me ri. limitei-me a esboçar um sorriso discreto, baixei os olhos para o prato e engoli. será que acabou por não ter piada mesmo que, no absoluto, tivesse piada? não sei, mas o meu cérebro detectou ali um bom trocadilho.
pensei, se fosse o gajo-que-toda-a-gente-curte a fazer este trocadilho ia ser risada a tarde toda. mas não foi. e, olha, vamos ter que trabalhar.

(acho que há uma aplicação qualquer que a sociedade nos instala no cérebro para identificar contextos. e com direito a actualizações! a partir daqui, e depois de dada a etiqueta correcta, permite-nos ter o bom senso - ou o senso comum? - de não rir de piadas de pessoas que à partida não têm piada. para compensar, vá, podemos rir-nos delas.)

                        

segunda-feira, agosto 22, 2011

porque

                                                                                                                                                                                                            daqui

a cisma é pior que a doença,
disse ele.

mas pior é quando a cisma se transforma em doença.


quinta-feira, agosto 04, 2011

porque as coisas, às vezes, têm um sentido.



"My daddy left home when I was three
And he didn't leave much to ma and me
Just this old guitar and an empty bottle of booze.
Now, I don't blame him cause he run and hid
But the meanest thing that he ever did
Was before he left, he went and named me "Sue."

Well, he must o' thought that is quite a joke
And it got a lot of laughs from a' lots of folk,
It seems I had to fight my whole life through.
(...)
I tell ya, life ain't easy for a boy named "Sue."

Well, I grew up quick and I grew up mean,
(...)
But I made a vow to the moon and stars
That I'd search the honky-tonks and bars
And kill that man who gave me that awful name.
(...)
At an old saloon on a street of mud,
There at a table, dealing stud,
Sat the dirty, mangy dog that named me "Sue."
(...)
I looked at him and my blood ran cold
And I said: "My name is 'Sue!' How do you do!
Now your gonna die!!"

Well, I hit him hard right between the eyes
(...)
And he said: "Son, this world is rough
And if a man's gonna make it, he's gotta be tough
And I knew I wouldn't be there to help ya along.
So I give ya that name and I said goodbye
I knew you'd have to get tough or die
And it's the name that helped to make you strong."

He said: "Now you just fought one hell of a fight
And I know you hate me, and you got the right
To kill me now, and I wouldn't blame you if you do.
But ya ought to thank me, before I die,
For the gravel in ya guts and the spit in ya eye
Cause I'm the son-of-a-bitch that named you "Sue.'"
(...)"



(se aceitarmos as coisa à partida, olhando-as lineares e axiomáticas, nunca saberemos como afinal poderiam ter sido.)



terça-feira, julho 26, 2011

maus hábitos


as coisas piores na vida são más. e más de facto: crónicas e invalidantes. as outras,
as que demoram mas eventualmente acabam por cessar,
um dia, quem sabe,
são chatas.
chatiiiiiinhas, ou chatíssimas até. mas
isso.

nós é que,
simplesmente,
nos habituámos a não ter paciência para a chatice.


fugas



                
(sim. deve ser um engano. a tecnologia não encurta distâncias. torna-nos apenas
mais sós.)


sexta-feira, julho 22, 2011

alvo




(...)
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lha a mãe. Está inteira
E boa, a cigarreira,
Ele é que já não serve.

Doutra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
(...)"


quinta-feira, junho 30, 2011

terça-feira, junho 28, 2011

"there was a crime. there was a trial. and there is punishment." (*)


depois de várias dúvidas existenciais, apaziguadas pela clara e racionalizada relatividade das coisas, surge-me na cabeça, contra todos os intuitos e lógicas de paciência, a derradeira questão de base. e eis que brado ao alto, (com a perninha cuidadosamente amparada para não me desequilibrar):

- porquê?!, MEU DEUS, MAS PORQUÊ!? O QUE FIZ EU PARA MERECER ISTO?!

- escorregaste, responde logo a vozinha de ricochete -
e, pior, caíste. e caíste mal.


(contra factos, nunca houve argumentos. e é assim: o que uma pessoa faz tem consequências. tem. não pode deixar de ter. e perante tamanha certeza das coisas, onde raio se há-de refugiar uma pessoa?! exaspera-me!)


sexta-feira, junho 24, 2011

quando uma borboleta bate as asas


caem os homens.
por causa da queda, acorrem outros, que os socorrem e amparam. por causa dos que os socorrem e amparam, o mundo muda o seu movimento: até então de uma forma, agora, depois da queda, de outra.

cai a menina. até então com movimento independente, passa a fazer depender o seu movimento do dos outros, que assim mudam o deles também. e, com eles, mudam os pontos em que os movimentos do mundo e os movimentos dos outros e o seu se interseccionam:
vêm buscar a menina, vêm deixar a menina; levam a menina, trazem a menina. se fosse antes, a menina faria as suas estradas, e os outros fariam os seus caminhos. agora, as estradas e os caminhos cruzam-se e fundem-se, até que se descruzem outra vez. mas, pelo caminho, as estradas dos outros cruzam-se onde, se fosse antes, jamais se cruzariam. porque o processo mudou.

por exemplo, antes, a menina iria até à montanha. agora, a montanha tem que vir até si para a levar de volta a casa. a menina vai, e a menina fica. e fica também dependente da disponibilidade da montanha para a trazer de volta. portanto a menina fica, operando com o seu vagar, organizando a volta a passo lento. se fosse antes, tudo seria feito num ápice. agora, demora este e aquele e o outro minuto.
também a montanha se reorganiza agora de outro modo (ou exagerou apenas o seu comportamento habitual): é preciso levar isto e aquilo e aqueloutro, porque o movimento da menina mudou. e os tempos do movimento da menina mudaram. e as possibilidades de movimento da menina também. tudo tem que ser de outro modo, claro, mais simples, mais fácil. tipo refeição multi-vitamínica sopa e prato num só. o que, para não demorar mais tempo à menina, demora, por um processo simples de compensação, mais tempo à montanha.
depois das idas, das voltas, de arrumar isto, arranjar aquilo, de fazer passar o tempo, aquele tempo, aquele exacto tempo, a montanha pode enfim regressar com a menina. a menina apruma-se, demora mais tempo que o habitual, e no instante x, entra no regaço da montanha.
acomoda-se, fecha a porta e rolam as rodas. fazem-se ao caminho. devagar, tudo no seu tempo. cruzam-se as curvas, esta, aquela, aqueloutra. se não fossem as quedas, a menina teria ido já. antes. ou teria apenas ido depois. pensa. mas foi agora. cruza a curva, aquela curva, naquele exacto momento. segue a estrada. outra curva, aquela. naquele instante, aquele pedaço de estrada. aparece o coelho. zás.


(custa-me pensar que vivemos no completo desconhecimento de a que ponto o que fazemos agora mudará radicalmente o depois. que não controlamos nada, porque não sabemos nada. e que, não sabendo nada - por onde ir, por onde contornar - o que virá a acontecer é inevitável.)

terça-feira, junho 21, 2011

your feet were also made for walkin'


Sai de casa e vem comigo para a rua Vem,
que essa vida que tens Por mais vidas que tu tenhas
É a tua que mais perdes se não vens.





(mas é inevitável. as perdas, a serem percebidas, percebem-se sempre depois.
o que nos vale é não percebermos nem o quanto nem exactamente tudo o que perdemos.)

sábado, junho 18, 2011

milk





as coisas não mudam a sua natureza quando crescemos. apenas
ganham outro sabor.



terça-feira, junho 14, 2011

só te levantas se cais, só cais se te desequilibras, só te desequilibras se te mexes.





"We like to play with words a lot, put two words together for example, and make a new word out of it. It means jumping into puddles. It should be two words but it's almost like a name now. The lyrics describe an atmosphere, a memory or something, like being a kid jumping into puddles, falling down and getting a nosebleed, getting back up... It doesn't really matter when you're a kid."
(Georg Holm, about Hoppipolla)


(também não devia importar quando já somos grandes.)


segunda-feira, junho 13, 2011

Papillon (iii), Ou Inatentional blindness


mas somos tão insatisfeitos. e impacientes. e desatentos.

não deixo de me lembrar que o JC, independentemente de ter sido Filho, apenas homem ou personagem de um livro, vinha com umas histórias ilustrativas de muita questão.
lembro-me da parábola da ovelhinha perdida. do senhor pastor que tinha 100 ovelhas e que perdeu uma. ora ficando ainda com as 99, foi com a perdida que se preocupou mais. ora pois, as 99 estavam seguras, a outra é que andava por parte incerta! sem saber se voltava ou não, foi a ela que o pastor dispensou os maiores cuidados.
mas não posso deixar de pensar que, dispensando maior atenção a uma, e ainda que aparentemente seguras, ficam as outras mais vulneráveis.

(volta e meia perdemos nós também uma. sem saber se foi dar só uma volta ou não, vamos tentando manter viva a esperança, com sobressaltos e muitos cuidados, que um dia regresse. mas, enquanto isso, e com muita ginástica para direccionar a vista teimosa!, devíamos agradecer ter ficado com as outras 99.)


Papillon (ii), Ou Banhinhas e celulite e.


daqui


(tantas as vezes que valorizamos as coisas pequenininhas. e quando perdemos as maiores
é que percebemos a relatividade das coisas.)


Papillon (i)






(duramos tão pouco.
como é possível passar um dia que seja sem que testemos os nossos limites?)



sexta-feira, junho 10, 2011

eu é que disse, não eu é que disse, não não, eu é que disse!



«"Portugal não pode falhar, nem tem margem para errar, acho que todos temos consciência disso", afirmou o líder do CDS-PP, Paulo Portas, em declarações aos jornalistas à saída da sessão solene do 10 de Junho, que se realizou em Castelo Branco e onde o Presidente da República sublinhou que Portugal não pode falhar.»

«Questionado sobre a declaração do Presidente da República de que Portugal não pode "falhar", o futuro primeiro-ministro [Pedro Passos Coelho] disse apenas que todos sabem isso. "Sabemos todos isso, eu próprio disse isso durante a campanha eleitoral", referiu. »


(eu não disse. ups... mas passou-me pela cabeça... conta?)


quarta-feira, junho 08, 2011

task difficulty


easy task:
fear the unknown.

not so easy task:
"replace fear of the unknown with curiosity."


exemplo prático: o que é que me irá acontecer? estou tão curiosa! olha, ah! vou partir uma perna, olha! e vou ter um acidente de carro! ah!


(é verdade que geralmente temos curiosidade por notícias mázinhas, queremos saber, os pormenores, os detalhes, as dores, as consequências. mas deve ser só quando se aplica aos outros. é-me difícil ter curiosidade pelo desconhecido na minha vida, quando esse desconhecido não tem que ser necessariamente bom.)


terça-feira, junho 07, 2011

o medo,


por paulo moura. texto da Pública, este domingo, para quem não leu. o resto pode sempre ser visto aqui.


"Iuri, foto-repórter russo da Time, fez todas as guerras, desde a Tchetchénia até ao Afeganistão e ao Iraque, onde viveu 8 anos, num apartamento arrendado em Bagdad, bem longe da Green Zone dos americanos.
Encontrei-me com ele, André e Gabriel no terminal 2 do aeroporto do Cairo, à noite. Tínhamos estado juntos na Líbia, e saído de lá quando se tornou óbvio que as tropas de Khadafi iam entrar em Bengazi. Eu fiquei no Cairo, André e Gabriel foram para Itália.Iuri, esse, aproveitou para fazer umas fotografias no Bahrein.
Alugámos um carro e partimos imediatamente. Bengazi estivera sob ataque, mas havia sinais de que tinha acalmado, diziam algumas fontes, por terem ouvido dizer. Lá não havia telefones, nem jornalistas. Aliás, era por isso que tínhamos de ir.
Durante a noite, percorremos os 700 quilómetros que separam o Cairo de Sallun, perto da fronteira. De manhã cedo entrámos na Líbia, para outros tantos quilómetros até Bengazi. Juntaram-se-nos mais jornalistas. Alugámos um autocarro, porque nos pareceu mais seguro irmos juntos.
Pelo caminho, cada um tentava estabelecer contactos, para obter informações sobre a segurança das várias cidades e da estrada. Até Al Beida não havia problemas, ouvira um. Na estrada do deserto, jornalistas tinham sido capturados pelas forças de Khadafi, dizia outro. Em Bengazi os combates recomeçaram. Há snipers em todos os edifícios. Há caça aos jornalistas estrangeiros. Assaltam os carros nos bairros periféricos. Há tiros. Há incêncios. Não se passa nada. A cidade está calma. A cidade está em guerra.
Reuníamos as informações, contraditórias, e íamos formando na cabeça uma imagem delirante da cidade de onde tínhamos partido há poucos dias. E avançávamos. Cheios de hesitações e de cuidados. Cheios de medo.
Tudo nos parecia suspeito. Quando parámos em Tubruk, Iuri estava agitado. Quis falar connosco, longe do motorista, para dizer: “Ele fala russo perfeitamente. E eu sei que só as famílias próximas de Khadafi mandavam os filhos estudar na Rússia”. Despedimo-lo e contratámos cinco carros para nos levarem em pequenos grupos.
Ao longo da estrada fomos parando em cada povoação, para saber notícias. Iuri, o mais experiente entre nós, era sempre quem construía os cenários mais perigosos. Discutíamos, ponderávamos, decidíamos ora avançar, ora recuar. Tentávamos ser racionais.
Havia o medo e havia o fascínio. Todos conhecíamos bem a cidade de Bengazi, mas não era difícil imaginá-la transfigurada. Nunca é. Se nos disserem que alguém muito familiar enlouqueceu, começamos logo a pensar que a pessoa, vendo bem, nunca foi muito sã. E não nos admiramos que ela se comporte de forma monstruosa, nem nos intimidamos com isso.
Tal como um amigo que se torna assassino, aceitamos-lhe a perversidade como se fosse nossa. Assim manifestado em território conhecido, este é o Mal que também temos em nós, que podemos dominar e que, por isso, nos atrai. Difícil é conter a imaginação.
Anoitecia e nós, trémulos e mudos, aproximávamo-nos de Bengazi. Passámos por tanques incendiados, pelas casas disformes e tristes dos bairros pobres, mas nem sinais de tiros, chamas ou sangue. A cidade estava igual ao que sempre fora. Atravessámo-la com o coração a martelar o peito até ferir. Chegámos ao hotel sem qualquer incidente. Apeámo-nos, fizemos o check-in, como turistas. “Acontece sempre isto. Imaginamos as coisas muito piores do que elas realmente são”, disse Iuri.


(esperemos que sim.)


segunda-feira, junho 06, 2011

já a respeito das cadeiras,

e ainda nas voltas com a Fátima, o Pedro Passos Coelho solta com toda a coloquialidade que não suporta as cadeiras de alguns programas da TV, onde fica enterrado e pouco à vontade: "mas ainda não ninguém percebeu que aquilo é tão desconfortável?".

calculo que a cadeira de Primeiro-Ministro, apesar de apelativa, também não seja muito confortável. mas das duas uma: ou não nos sentamos, ou aguentamos e moldamos o rabinho.

(ninguém se devia sentar numa cadeira onde não se sente confortável. mas passando por cima das comodidades, porque nem tudo é uma questão de conforto, ninguém se devia queixar de uma cadeira onde quer sentar o rabinho. a não ser que a queira mudar para melhor.)


beijinhos sem ou com compromisso?

depois de um dia de cansaço, das voltas com a Fátima Campos Ferreira, de se ter sentado com o rabinho na relva, desconfortável, e de se ter queixado das cadeiras dos programas de conversas na TV, o Pedro Passos Coelho não se quis deitar sem ir dar um beijo à mãe. foi bonito.
o pai, quando ele foi eleito para o cargo de secretário-geral do PSD, foi dar-lhe um beijo de parabéns e pediu-lhe uma coisa, apenas uma: "Vê lá se não desiludes a tua mãe".

não sei que planos tem a mãe do Pedro para o Pedro, mas espero bem que passem por bons planos para o país.

eu, se pudesse, tinha-lhe dito na altura outra coisa: a tua mãe?! oh Pedrinho, vê lá é se não te desiludes a ti próprio.

bem, mas não conhecendo a peça, hoje, dado o beijinho da introdução, diria antes: vê se não mentes aos portugueses, sim?!


(porque isso de [não] desiludir é complicado. basta que [não] haja ilusão.)


terça-feira, maio 31, 2011

descobertas (ii)




let the youth be young.


because if
you don't let the youth discover its youth, the older people will be too young, and
the young will become too old.



(we cannot teach, we cannot avoid, we cannot prevent the loss of innocence. but
there's a time for each
step, for each
movement, within a
dance.)



*Tranzträume, Rainer Hoffmann, Anne Linsel (2010)


quinta-feira, maio 26, 2011

micro macro


daqui

Nature changes. cities remain?
people change. cities remain?
people change, cities change?
people change... nature remains?

(cities change, people change. but their nature remains the same. cities increase in size, full of people and their same nature. and Nature changes. inescapably.)


quarta-feira, maio 25, 2011

pelo contrário





nunca se falou opinou escreveu gritou argumentou assentiu tanto por vontade própria.
nem nunca foi tanta a liberdade de expressão, tanta a expressão da vontade, do "eu quero",
do "eu posso e mando e faço". do "eu, a mim, agora, não me apetece".

mudos só se forem mesmo os tempos, ensurdecidos pela peixaria das vontades.


(o trocadilho é uma coisa engraçada. é. mas, desprovido do contexto, acaba por se perder na troca. e depois é a velha questão: as leis universais já raramente abarcam a flexibilidade acrobática do quotidiano. quanto mais quando são subvertidas.)


quinta-feira, maio 19, 2011

it (ii)


estar no meio das gentes, sentada, a vê-las passar. sentada, quieta, enquanto apoio a mão no queixo, e as vejo passar. contemplá-las. a elas, aos seus movimentos, ao seu movimento. pendular. vão e voltam. andam às voltas. ou não. em movimento rectílineo com travão. vão, não voltam.
vê-las passar. habituar-me a vê-las passar. observá-las enquanto passam. porque não as poderei observar depois, quando já passaram, manter isso em mente, quando já passaram e não voltam. prender-me nisso, nos movimentos, na forma como olham, como andam, como se relacionam. na forma como se ignoram. como me ignoram. enquanto eu, sentada, com os fones nos ouvidos, as vejo, as observo, as contemplo a passar.
enquanto os corpos se movem e dançam ao som de uma música que nem sabem, que não ouvem. e eu vê-las nesse ritmo, a moverem-se neste ritmo, desfasadas ou não, que lhe dançam o ritmo sem o saberem, sem saberem o ritmo a que vão, nem quando acaba o ritmo, nem quando acaba a música. sem saberem quando acaba o movimento. não sabem.
não sabem se velozes se deslocam, demais para o ritmo da dança, se devagar. não sabem. ninguém sabe. nem eu, por mais que os observe. nem eu, sob que danças se movem, sob que ritmos, o que as faz mover e passar. nem eu, que as observo. impossível aprender as regras dos seus movimentos.
por isso, observo. só.
e enquanto as vejo, passa-me na mente que quando as pessoas se movem, num centro comercial ou onde for, se movem sem destino. que até podem achar que o têm, mas que o caminho é tanto e as montras tão apetecíveis. e ou o tempo o têm contado, ou o tempo é para sempre infinito. até que cesse a música.
que quando as pessoas se movem, num centro comercial ou onde for, circulam à medida do espaço que lhes é dado. que os objectivos de destino se perdem tantas vezes. que tantas vezes perdem o rumo. perdemos o rumo.

estar no meio das gentes, sentada, a ouvir música, a ouvir a minha música, desfasada talvez de todas as outras, e contemplar os movimentos, os ritmos, as velocidades, os relacionamentos. contemplar a vida e a matéria. a luz. ter os fones nos ouvidos e ver as coisas assim, a esse ritmo, ao meu ritmo. ver as coisas e não poder tirar nada, rigorosamente nada, dessa observação.


quinta-feira, maio 12, 2011

it



what is it?

this is it
this is really it
this is all there is
and is perfect as it is
there is nowhere to go but here
that is nothing here but now
there is nothing now but this
and this is it
this is really it
this is all there is
and is perfect as it is
there is nowhere to go but here
that is nothing here but now
there is nothing now but this
and this is it
this is really it
this is all there is
and is perfect as it is
there is nowhere to go but here
that is nothing here but now
there is nothing now but this
and this is it
this is really it
this is all there is
and is perfect as it is
there is nowhere to go but here
that is nothing here but now
there is nothing now but this
and this is it
this is it
this is it

is this it here now?
this here now it is.
is now this it here?
here it now is this.
is it here this now?
now is here this it.
is this now it here?
this now here is it.

i am it. and so are you.

This is It and I am It and You are It and so is That and He is It and She is It and It is It and That is That. Oh It is This and It is Thus and It is Them and It is Us and It is Now and here It is and here We are so This is It.

(so, what is it?)

[James Broughton, This Is It (1971)]

sexta-feira, maio 06, 2011

Epidural


O senhor doutor diz que eu faço parte de uma franja. Não sei o que quis dizer, mas deve ter a ver com o crianço que vai nascer. Disse-lhe que queria tudo ao natural, e ele disse-me que eu devia tomar epidural, eu disse que não queria cá drogas, que queria sentir o meu filho a sair-me das entranhas. Mas

«Para Luís Mendes da Graça*, a ideia ‘romântica’ do parto sofrido tem que passar à história. ‘Estamos no século XXI e não podemos aceitar que os procedimentos médicos sejam comparáveis a países de Terceiro Mundo.’ Há, no entanto, ‘algumas franjas da população que ainda oferecem resistência à epidural. Mas, para o especialista, trata-se de ‘uma esmagadora minoria que ainda pretende ter uma falsa visão poética e bucólica da vida’, porque, na globalidade, a preferência das mulheres recai sobre a epidural.» **

Não percebo. Eu não tenho nada contra a epidural, não, nem tenho. Longe disso: as grávidas têm o direito de optar. Do mesmo modo, à partida, também não tenho nada contra este senhor. No entanto, não consigo evitar ter algo contra opiniões como esta, que catalogam como ainda retardadas as pessoas que preferem fazer o parto sem anestesia. E continuo. Tenho sim contra opiniões que reivindicam uma visão-da-vida verdadeira e que catalogam como falsa o que não lhes fica por baixo da saia. ou da batina.

Mas, de qualquer modo, confesso que nem percebi bem a questão. Isto é, se a visão da vida é falsa porque é (a) bucólica e poética – e não devia; ou se (b) isto de insistir em sentir as dores do parto é a visão bucólica e poética falsa, pois existe a visão bucólica e poética verdadeira. De qualquer das formas, suscita-me reacções viscerais. É que se existe uma Verdadeira, por favoooor, elucidem-me acerca do caminho, para que também eu possa ver!

Mas até calculo que esta visão Verdadeira da vida venha por meio de anestesia. Parece que, depois dela, o mundo muda aos nossos olhos. (de facto, o David também andou nas anestesias e realmente experimentou outra visão da vida. agora, se verdadeira ou falsa, realmente, transcende-me.)

Eu, no meu desconhecimento das coisas, prefiro experimentar primeiro, em vez de me converter logo à maioria por meio de conformismo. E, no seguimento desta ideia, aviso que nem vou ser radical. Não. Hei-de ter um parto SEM anestesia e, depois, outro parto COM anestesia, e nem tem que ser por esta ordem. Só então, já devidamente esclarecida, decidirei como quero ter a nova palete de filhos.

Mas talvez o problema desta minoria nem seja (b) a visão-da-vida bucólica e poética falsa. Não, talvez a falsidade desta visão da vida - que faz recusar a anestesia - passe mesmo por ser demasiado romântica. Lamento. É que, novamente, não percebi. É assim tão mau ter uma visão romântica das coisas? É assim tão mau querer sentir as coisas até ao seu limite?

Não sei, se é falsa ou se é verdadeira. Nem, muito sinceramente, me interessa tal dicotomização. Porque, na minha singela opinião de possível-futura-parturiente-em-situação-de-gozar-de-liberdade-e-vontade-própria, não vejo que melhor visão se pode ter da vida se não uma que é bucólica e poética.


(de vez em quando, canso-me de ser morna. mas prometo que um-dia-destes tentarei voltar à harmonia - com a natureza, com as pessoas, e com o mundo. enfim, à harmonia com o universo – e com estas opiniões.)


[*director do departamento de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
** fonte: Jornal do Centro de Saúde, Ano 5, nº 49, Fevereiro 2009]