sexta-feira, junho 24, 2011

quando uma borboleta bate as asas


caem os homens.
por causa da queda, acorrem outros, que os socorrem e amparam. por causa dos que os socorrem e amparam, o mundo muda o seu movimento: até então de uma forma, agora, depois da queda, de outra.

cai a menina. até então com movimento independente, passa a fazer depender o seu movimento do dos outros, que assim mudam o deles também. e, com eles, mudam os pontos em que os movimentos do mundo e os movimentos dos outros e o seu se interseccionam:
vêm buscar a menina, vêm deixar a menina; levam a menina, trazem a menina. se fosse antes, a menina faria as suas estradas, e os outros fariam os seus caminhos. agora, as estradas e os caminhos cruzam-se e fundem-se, até que se descruzem outra vez. mas, pelo caminho, as estradas dos outros cruzam-se onde, se fosse antes, jamais se cruzariam. porque o processo mudou.

por exemplo, antes, a menina iria até à montanha. agora, a montanha tem que vir até si para a levar de volta a casa. a menina vai, e a menina fica. e fica também dependente da disponibilidade da montanha para a trazer de volta. portanto a menina fica, operando com o seu vagar, organizando a volta a passo lento. se fosse antes, tudo seria feito num ápice. agora, demora este e aquele e o outro minuto.
também a montanha se reorganiza agora de outro modo (ou exagerou apenas o seu comportamento habitual): é preciso levar isto e aquilo e aqueloutro, porque o movimento da menina mudou. e os tempos do movimento da menina mudaram. e as possibilidades de movimento da menina também. tudo tem que ser de outro modo, claro, mais simples, mais fácil. tipo refeição multi-vitamínica sopa e prato num só. o que, para não demorar mais tempo à menina, demora, por um processo simples de compensação, mais tempo à montanha.
depois das idas, das voltas, de arrumar isto, arranjar aquilo, de fazer passar o tempo, aquele tempo, aquele exacto tempo, a montanha pode enfim regressar com a menina. a menina apruma-se, demora mais tempo que o habitual, e no instante x, entra no regaço da montanha.
acomoda-se, fecha a porta e rolam as rodas. fazem-se ao caminho. devagar, tudo no seu tempo. cruzam-se as curvas, esta, aquela, aqueloutra. se não fossem as quedas, a menina teria ido já. antes. ou teria apenas ido depois. pensa. mas foi agora. cruza a curva, aquela curva, naquele exacto momento. segue a estrada. outra curva, aquela. naquele instante, aquele pedaço de estrada. aparece o coelho. zás.


(custa-me pensar que vivemos no completo desconhecimento de a que ponto o que fazemos agora mudará radicalmente o depois. que não controlamos nada, porque não sabemos nada. e que, não sabendo nada - por onde ir, por onde contornar - o que virá a acontecer é inevitável.)

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