a porta abre-se. a senhora, até então mastigando suavemente uma qualquer patanha industralizada e amarfanhando na mão o respectivo invólucro, recorre a um movimento veloz para arremessar com pontaria o pacote já vazio para o exterior do autocarro.
os meus olhos arregalam-se enquanto, sob o tremendo efeito pop-out, sigo o trajecto do movimento braço a estender-se, invólucro arremessado, movimento braço em repouso. depois, passando esse efeito e começando outro, também o meu olhar se remete ao descanso. a senhora repara que eu reparei. faço por não olhar. a senhora não resiste. tem a formar-se na garganta, já quase a engasgar com o tamanho do novelo que se criou, uma justificação.
- pois... eles dantes tinham, mas agora já não põem caixotes do lixo nos autocarros. não se devia mas... também não dá jeito nenhum andar com aquilo na mão...
- pois..., remeto eu com um olhar fugitivo. na verdade, existem certas partículas da língua portuguesa que substituem silêncios incómodos face a justificações questionáveis mas não questionadas.
(se uma pessoa for a ver bem, são realmente incríveis as justificações que arranjamos para aquilo que fazemos. e até mesmo para aquilo que acabamos por não fazer.)
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