Quando te sentas à noite na beirinha da cama e
olhas o mundo curtinho em redor, tão curtinho
quanto o teu campo de visão e
a linha do horizonte que te escapa.
quando vês as luzes do teu quarto as luzes no teu quarto
e sabes tanta vida lá fora.
quando pensas em ti ali, só,
e o silêncio,
só.
(ou então um mundo a abarrotar de emoções)
e então o coração bate
- tu escutas demasiado o coração -
ou o coração bate antes e depois sentas-te na beirinha da cama
e pensas.
e então ouves, mais e mais
e o coração bate mais forte, mais e mais.
quando tu pensas sentes e pensas e sentes
quando tudo é um ciclo.
quando perdes a noção da realidade
e só pensas o corpo, a sentir a sentir a sentir.
quando os pulmões arfam
e tu arfas
e o mundo é tão pequenino quanto a tua mente contraída,
sufocada
pelo peso dos instantes.
quando o mundo é tão grande quanto os teus medos.
pesado
quando tu inspiras
expiras inspiras expiras
cada vez mais rápido, e rápido, mais e mais
e tu pensas
e sentes o pânico a correr-te pelas veias, como agulhas finas, como
formigas atrevidas que te beliscam a carne, quando
sentes a cabeça à roda, e as luzes te encadeiam, e achas que vais enlouquecer,
que a lucidez acaba ali para ti.
e o pânico preenche-te os poros,
e o medo abarrota-te o peito.
e tu pensas.
quando o desespero te atola
e te preenche,
inunda
quando pensas que não interessa quantas vezes sobrevives, que
há-de sempre voltar esse instante
em que tudo bate mais depressa do que aquilo que tu consegues acompanhar,
quando o desespero te enfarta
o peito e a consciência e
já nada importa quando
tudo pesa
Eu sento-me contigo à beirinha dessa tua cama,
imagina-me a sentar-me contigo à beirinha dessa tua cama,
e digo-te ao ouvido
Não te atrevas a desistir.
(e depois abraço-te, muito. e agarro-te a esta vida.)
1 comentário:
Medo
Amália Rodrigues
Composição: Reinaldo Ferreira
Quem dorme à noite comigo
É meu segredo,
Mas se insistirem, lhes digo,
O medo mora comigo,
Mas só o medo, mas só o medo.
E cedo porque me embala
Num vai-vem de solidão,
É com silêncio que fala,
Com voz de móvel que estala
E nos perturba a razão.
Gritar quem pode salvar-me
Do que está dentro de mim
Gostava até de matar-me,
Mas eu sei que ele [o medo] há-de esperar-me
Ao pé da ponte do fim.
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