"The range of what we think and do is limited by what we fail to notice. And because we fail to notice that we fail to notice there is little we can do to change until we notice how failing to notice shapes our thoughts and deeds." (Ronald D. Laing)
a dentista disse que tenho uma boca relativamente saudável. hm. fiz um semi-sorriso amarelo e pensei: diz isso porque não sabe a quantidade de baboseiras que saem por ela.
Disse-lhe que não gostava dela tanto quanto ela de mim. e era até a verdade. nua. Ela olhou para mim, espreitou-me pela borda do olhar e viu-me, resumidamente, Feia. depois Chorou. chorou chorou chorou. para Gastar a mágoa, talvez. Levantou-se, amachucou-me e passou a ignorar-me. senti-me tão mal que Voltei a embrulhar-me no papel bonito.
A menina de porcelana pede desculpa pelo que a i., sua representante real, disse um destes dias ao almoço acerca dos intermináveis minutos de mimo-muito-mimo-e-embalo-muito-embalo no Baby Channel enquanto se olha para um peixinho paciente e se ouve uma musiquinha tra la la. De facto, enterrou-se a si mesma e ao postdo mesmo dia. porque as coisas para serem descobertas, têm que ser observadas. mas, mais que isso, tem que se ir com disponibilidade para a contemplação.
E o que acontece é que eu e o Baby Channel ainda não nos enfrentámos nesses preparos.
(You wanna see the most beautiful thing I ever found? It was one of those days when it's a minute away from snowing and there's this electricity in the air, you can almost hear it. And this bag was just dancing with me. Like a little kid begging me to play with it. For fifteen minutes. And that's the day I realize there was this entire life behind things... this incredibly benevolent force, that wanted me to know there was no reason to be afraid, ever. Video's a poor excuse, I know. But it helps me remember... I need to remember... Sometimes there's so much beauty in the world [I feel like I can't take it, like my heart's going to cave in]. É o que ele* diz.)
(* Ricky Fitts, the weird boy, em American beauty, Sam Mendes, 1999)
não sei se depois quereria o contrário, e é até provável que o quisesse, porque no depois costuma ser o contrário aquilo que se quer. o contrário do que se tem. mas
aparte-de-todas-as-outras-vezes em que apenas quero sentir, às vezes quem me dera não sentir. ou pelo menos não ter consciência disso. quem me dera andar, parar, e voltar a andar. sem pensar muito sobre isso. something like
(na falta de consciência, não há antes nem depois. não há sequer as amolgadelas do durante. só um instante demasiado rápido que já passou, e que esgotado se esfumou. e, recomeçado outro instante, ficámos nós, 'shining like brand new'.)
«... I opened up a sealed envelope And it contains an eternity of memories that I never experienced, (...) It feels like all of the accomplishes means nothing, Feels like my whole existence and history Is being erased. (...) You know, I had a plan that involved getting on with my life...»*
(... vamos ver se é uma boa ideia.)
(*Jens Lekman, um rapazinho simpático a declamar o How much you mean to me. Também aqui, e aqui vale a pena.)
Quando eu era pequena e tudo era ainda certo, atracava-me à mão da minha mãe e, em dias como este, desfilávamos na Procissão. Eu levava uma vela já meia gasta envolvida num pedaço de papel que me protegia dos pingos da cera quente, e dela cuidava religiosamente. E ali, no meio daqueles irmãos e irmãs, daquelas pedras da mesma Igreja, deslumbrava-me. Na noite escura, reluziam os cânticos entoados em uníssono, as orações e as preces à Virgem e ao deus Nosso Senhor, e a luz das nossas velas fazia o caminho. Encontrávamos os tios e as tias, os primos e as primas, e até os amiguinhos da catequese e da escola com quem trocávamos sorrisos e olhares enquanto, intercaladamente, se ia dando um olho ao papel protector para que não ardesse naquela chama. Os outros, pass(e)ando à beira da estrada, carregados de sacos das compras, ou circulando de bicicleta, ou acometidos a conversas embriagadas e sérias, os outros deitavam-nos olhares de estranheza e distância, Ou ignoravam-nos Simplesmente como quem finge não ver os pobres de mão estendida. Mas eram apenas Os Outros, eles, uma massa indistinta, incrédula e sem salvação.
Depois cresci. Fui deixando de acender a vela, gasta entretanto, e deixando também de seguir as multidões. A noite é escura e há-de ser. E as coisas desprovidas de um sentido. A virgem tornou-se Maria, e o nosso senhor, deles. Passei para o outro lado, sem saber que os outros, esse aglomerado de eu’s, viajam sós afinal, sem velas que alumiem um caminho. Inevitavelmente, talvez, as coisas deixaram de se explicar pela Fé. Passaram a carecer de respostas que não encontro. De respostas. E, vistas bem as coisas, começo a achar que talvez, talvez..., o problema esteja nas perguntas.
(pergunto-me se é por crescermos que as coisas deixam de fazer sentido, ou se crescemos quando as coisas perdem o sentido. sei lá. quem me dera ter ainda O sentido das coisas, A certeza do certo e do errado, descrita tão bem nos contos-de-fadas, e não esta amálgama de coisas que nos compõem e que não nos fazem nem bons nem maus. que nos fazem, tão simplesmente, Incertos. Esta amálgama de coisas que encontramos quando passamos a ver. Ou talvez, engano meu, quando nos deixamos cegar pela complexidade.)
pensar que neste tempo todo que acumulamos, que em todos estes anos que andamos por aqui tantas vezes à deriva, que nesses instantes todos que deixamos (es)correr, vazios, perdidos em horas que ficam por preencher de coisas que nos encheriam a vista, que nos dariam outro fôlego, Mas que não enchem, que não dão, porque esses instantes Passam apenas com o andar (in)finito de uns quaiquer ponteiros de um qualquer relógio. pensar que nesse tempo, nesses anos, nesses instantes, nisso tudo junto e arremessado connosco um dia à terra, ao húmus, pensar que nunca conheceremos coisas belas, belíssimas, ou bonitas apenas, que até teríamos a oportunidade de saber se o acaso o permitisse, se as coisas tivessem etiquetas pelas quais as pudéssemos procurar. e não chegaríamos a essa terra que nos aguarda enquanto não as provássemos a todas.
pensar que essas coisas que nos encheriam a vista, e o peito, se as pudessemos ver e ouvir e saber-lhes o sabor, essas coisas que nos fariam falta se soubessemos como tudo mudaria depois de as sabermos Mas que assim não faltam e nada muda porque não as sabemos, Pensar nisso, em todos essas coisas belas que são agora ou que foram e permanecem, nessas coisas que se perdem, pensar nisso angustia. porque ficam por conhecer, ficam por tocar, ficam por sentir.
porque ficam por descobrir. e toda uma vida por mudar.
perdoem-lhe, que o rapaz não sabe o que diz. primeiro porque 'Portugal pintado de vermelho' seria a morte por asfixia de tudo quanto é vivo (óbvio...). depois, porque a tomar nota na quantidade de crimes bárbaros, ora de maridos ora de namorados ciumentos, ora de vizinhos à beira de um ataque de nervos, ora de mães, padrastos, tios e tantos outros membros-do-nicho-familiar enraivecidos, ora ainda de gente que decide simplesmente 'atirar para o ar', já para não falar da sinistralidade na estrada e na construção civil, se ainda não estamos vermelhinhos, estamos lá bem perto.
independentemente de nascerem já escravos, de terem que suportar o ferro quente a marcar-lhe um dono que nem lhes é nada senão carrasco, de apanharem porrada a torto e a direito, de passarem horas intermináveis a suportar infernos e de não terem horas livres senão quando são largados ao deus-dará à espera de um fim do dia que só lhes trará quilos e quilos de turistas, é impressionante como quem olha para aqueles olhos pestanudos de quem passa a vista pelo mundo e para aquela boquinha em movimentos de quem mastiga uma interminável pastilha elástica com sabor a qualquer coisa que nem interessa o quê, é impressionante como, quem os olha, não lhes consegue achar uma ponta de stress.
(deve ser do metabolismo. lento, talvez. ou então do calor, que atrasa sempre tudo menos o sono. eu também queria ter um metabolismo assim. para que quando me estivesse a passar dos carretos os meus movimentos fossem tão lentos tão lentos que eu não conseguisse mover palha e morresse de frustração [solução 1, mais drástica]. ou então não, e o metabolismo era tão lento tão lento que quando me chegasse o sangue à cabeça já tinha passado o momento e deixara de valer a pena - era sol de pouca dura [solução 2, mais simpática]. pois era, queria ter um metabolismo assim. mas se tivesse um metabolismo assim, queixava-me que engordava mais rápido.)
Lembro-me bem daquela aula de História do meu 7º ano em que a professora nos informou a todos, numa versão simplificada, que descendíamos do macaco. Eu, que até então fora profundamente catequizada com a estória do Adão e da Eva no Paraíso, fiquei perplexa.
Matutei nisto continuamente e, não sei bem em que dia no meio de um qualquer almoço, arremessei a pergunta: Há uma coisa que não estou a perceber... A professora de História diz que houve uma evolução e que nós evoluímos do macaco, mas a catequista diz que Deus criou o Adão e a Eva... onde é que entram aqui os macacos? Penso que naquele instante provoquei sensivelmente nos meus pais a mesma reacção que tem a pergunta 'De onde vêm os bebés?'. O meu pai, entranhadamente homem da ciência, iria provavelmente reafirmar-me a ideia de que, de facto, descendemos dos macacos. Depois entraria em termos infindavelmente complicados, mas a conclusão seria essa. Mas foi a minha mãe, mulher de Fé, que sem ser por acaso tomou a palavra. Com alguma paciência, explicou-me como o Adão e a Eva eram uma metáfora para o princípio da humanidade. E devo dizer que, de forma bastante simples, me deixou mais apaziguada com estas várias versões que os senhores adultos se lembram de nos transmitir.
Porque quando se misturam alhos com bugalhos a coisa fica difícil de explicar. Por um lado, dizer às crianças que os papás primeiros foram o Adão e a Eva, é fazer-lhes um nó no cérebro de forma a que não passe qualquer outro tipo de informação. Foi assim e pronto, e depois o Caim matou o Abel e a maldade ficou-nos nos sangue. Tudo tem explicação. Corta-se assim com qualquer outro tipo de ideia(s) como, por simples exemplo, de que talvez não tenha sido Deus que nos fez as costelas (pelo menos, não directamente), mas que talvez o nosso papá fosse afinal um ser demasiadamente peludo, desprovido de moral e, também, de tecnologia. Por outro lado, dizer às crianças que descendemos do 'macaco', é ignorar que o seu pensamento concreto ligará A a A, B a B, e C a C. É aliás quase o mesmo que dizer-lhes que Macaco é tudo o mesmo e que, assim sendo, o 'macaco' que anda por aí não evoluiu, enquanto nós, humanos, seres avançadíssimos, produto de ponta, nos fartámos de evoluir.
Ainda bem que 'descobriram' a Ardi. É que ela, no seu silêncio misterioso veio lançar outras hipóteses. Ao que parece, nós humanos somos muito mais parecidos com esse antepassado longínquo do que aquilo que queríamos ser (e que as descobertas científicas até agora pareciam fazer acreditar). E mais, o que sugere a descoberta dos infindos ossinhos (há já 17 anos) é que provavelmente quem 'evoluiu-mais' até foi o comummente chamado 'macaco'. Blasfémia!
Claro que teorias e versões há muitas. E provavelmente outros factos e dados surgirão, e novas hipóteses serão tecidas. E talvez nem nunca cheguemos à unicidade. E depois? Isso talvez até seja bom. Porque suscita a dúvida, suscita a discussão, suscita o querer saber mais. Suscita tudo aquilo que, quem acha que já sabe tudo, parece não querer ouvir falar. Pena. Porque ninguém devia estabelecer como certo e seguro aquilo que nunca foi posto à prova com uns valentes abanões.
às vezes também me apetecia ter duas cabeças: primeiro, uma para ouvir incessantemente o mundo lá fora, processá-lo nos seus pormenores infindáveis, nas suas possibilidades (im)prováveis, sob uma perspectiva e outra, e aqueloutra até, testá-lo através de hipóteses e, sempre insatisfeita, esmiuçar os resultados. assim, o mundo chatinho e exigente cá de dentro reflectiria nas coisas à vontade e viveria sob as regras do correcto-e-do-justo. depois, descaradamente livre, teria outra para quando me fartasse da primeira - com jeitinho, punha essa de lado, deixava-a a processar o infinito, e ia gozar a vida.