Andam por aí umas criaturinhas que se intitulam pomposamente de Descrentes. Fazem questão de marcar que não acreditam em nada que tenha no nome Sociedade, Justiça, Saúde, ou Governo. Ou simplesmente, qualquer coisa que ultrapasse o centímetro em volta da pelezinha amarelada e retesada que já não sorri de inocência há muito tempo. Então deprimem, descrentes do futuro, e enfrascam-se em ajuntamentos de álcool e medicação. Ou então não deprimem, mas enfrascam-se na mesma em ajuntamentos de álcool e medicação. E então deprimem. Enfim. A sociedade ocidentalizada como fonte de descrença e como meio de falecimento precoce.
Andam por aí esses descrentes. Descrentes do mundo, descrentes da sociedade, descrentes dos outros. Por isso, contam consigo mesmos, com a sua vontade própria, e com os troquitos que desviam aos sistemas comuns e ocidentalizados. Pois estes descrentes vão-se safando, porque contam com o seu individualismo e amor-próprio, e isto basta-lhes para seguir em frente. Mas depois há os outros. E os outros têm que se lhe diga. Não crêem no mundo, mas também o mundo que se lixe, é injusto e blá blá buah…. Não crêem na sociedade, que por si própria cria a injustiça. Não crêem no governo nem nas políticas, porque sabem que continua a ser parte da mesma merda. Não crêem nos outros, porque são uns egoístas e apenas vêem o que lhes interessa. Mas – e agora-algo-verdadeiramente-diferente – também não acreditam em si próprios.
E é assim que estes seres, a que chamamos de intimamente descrentes, vêem o mundo como o espaço e palco para escorregar, ouvindo de fundo a gargalhada afiada. Têm a audição apurada para qualquer crítica, e as mãos prontas para pegar na inchada e cavar bem fundo em presença de qualquer elogio. Ou então para ficar de mãos a abanar, porque o elogio decerto não era para eles, e também há sempre a sorte pelo meio. Estes seres sofrem por antecipação o que nunca era para chegar, mas que fazem por ir buscar e arrastar até onde se encontram. Estes seres não se cansam de se destruir e enganar a si próprios, até que seja demasiado tarde para um resgate possível. Estes seres escondem-se dentro de si próprios e tentam esquecer que o mundo lá fora também é palco para as suas vitórias. Porque estes seres não vêem as vitórias – tudo é e continuará a ser imperfeito. Estes seres não têm salvação, porque se recusam a salvar-se a si mesmos.
E é por isso que nós, os permanentemente insatisfeitos, estamos condenados ao fracasso. E à solidão.
(13.12.2007 21:59)