segunda-feira, janeiro 31, 2011

forever




flanquear de alto


domingo à tarde no parque atolado de gentes, um menino chora chora chora, vá-se lá perceber o porquê. pode ser do sol que brilha demais, ou da areia molhada e engraçada para calcar, pode ser do frio que mal se sente, ou ainda da brincadeira interrompida. pode nem ser nada, mas ele chora e fá-lo desalmadamente, enquanto estende um a um os pézinhos minúsculos num equilíbrio sofredor.

diz-lhe a avó com um tom pachorrento:
- anda cá bébé, anda cá, vem chorar para o carro que está mais quentinho.


(ele que chore, aquilo a mim calou-me.)


quarta-feira, janeiro 26, 2011

out in side r


you don't fit this world.



yes you do!
as long as you have a talent that can be explored.



if you
don't have a talent if
it can't be explored or if

you don't want to explore it



OUT!,
you don't belong here.

you don't fit the requests.


Mʋham̑ad alBúoazízí


quando o copo está cheio, basta uma gota.


(fala-se nos suícidios, nos homens que saltam das pontes, nas mulheres que adormecem afogadas em alcóol e comprimidos, das crianças que saltam aos rios. e eu penso, Como, como têm eles coragem para tanto? não têm medo da dor?, do arrependimento posterior?, não se lembram dos pais ou de uma qualquer figura de vinculação?, não vislumbram eles a luz, para um dia, por mais suja que seja? esquecem eles que querem viver? Que estado de alienação é esse em que se perde o receio?, que desespero é esse que nos cega e nos deixa apenas um caminho?
atemorizam-me os suicídios. desde sempre. não porque os acho ilógicos, irracionais e desmedidos. mas porque a mente é uma e todos vamos enchendo o copo. porque o corpo com a mente que sai todo o santo dia para a rua vender as frutas e os legumes é o mesmo que um dia chega ao posto da gasolina, e se imola. porque somos todos normais. até ao dia em que não o somos. e é essa possibilidade de metamorfose comum que me incomoda.)


segunda-feira, janeiro 24, 2011

como pode um só homem representar uma nação?


a minha tia é um amor. tem braços de ferro e força suficiente para mover montanhas. passa os dias de mãos na terra, a plantar os alhos e a ver dos kiwis e das alfaces, e a levantar-se cedo para ir levar a colheita ao mercado. e ri, muito, tanto que é um regalo vê-la a rir.
este domingo contáva-nos ela, a mim e ao meu amigo j., a sua lida da terra:

pois, andava lá eu com um cherrebeco a empapar a terra. sabe?
(o j. franze os olhos como quem tenta ver.)
é com uma foice de bizar, sabe?
(o j. faz um esgar de dor por não conseguir saber.)
é a como uma pedoa!
(não, não sabe. nem ele nem eu.)


(uma pessoa anda na escola, aprende a ler os textos do saber, e depois os livros da economia, aprende a escrever correcto e direito, com as palavras certas, sem enganar nos termos, aprende a falar e a comunicar com os dirigentes do mundo. fala direito e bonito, e faz boa figura na televisão.
mas passados tantos anos afastado das gentes das terras, que pode ele entender do que eles dizem e do que eles realmente querem saber?)


sexta-feira, janeiro 21, 2011

'à mulher de César não lhe basta ser séria, tem de parecê-lo.'


a poucas horas da eleição presidencial, procuram-se os últimos podres que poderão ainda abalar opiniões. quem já tem a opinião formada, é perfeitamente capaz de tapar os olhos ao que não quer ver. mas para quem ainda não a tem e anda à procura de alternativas [e.g. de um d. Sebastião salvador debaixo das vestes dos candidatos] estes pequenas manchas de comportamento são bem capazes de criar desilusão.

candidatar-se a um cargo político é quase o mesmo que abrir a porta da casa e deixar que vasculhem sem fio de piedade os nossos pertences. e a nossa vida. e por certo que encontrarão: a embalagem do leite no balde azul para reciclar papel, o slip leopardo para homem em vez dos boxers, a meia branca no fundo da gaveta e, ai meu deus, os restos de bolacha tipo americana nos confins do sofá.

'quem nunca pecou que atire a primeira pedra'. uma ova, quem pecou que esconda bem, fora dos focos da vasculhice, e procure o pecado do outro, bem feio e imperdoável para o publicar ao mundo e incentivar a morte à pedrada.

se os políticos são sérios ou não, isso não interessa. porque conhecendo a natureza humana dificilmente o serão. mas que pelo menos o pareçam, caramba! que não tendo a qualidade da perfeição e a capacidade de dar o bom exemplo, que tenham outras. por exemplo, a capacidade de ocultar bem a fraude, a capacidade de fazer amigos que dão alibi, e por aí em diante. é que, quer dizer, cria uma pessoa uma imagem de pureza celestial e depois, pumba!, deixam uma fralda de fora e, zás!, deixam-nos incrédulos, desamparados, desiludidos, e com o beicinho a tremer.

quarta-feira, janeiro 19, 2011

menstruação


vou ao homeopata. [sim, fuuuui.] senta-me num aparelhómetro complicado aos meus olhos. espreita-me a irís adentro. a rezar que vê nela tanto quanto eu vejo com ela, deve encontrar universos imensos. tantos que por fim arrisca:
"está menstruada?"
"não."
"então deve estar a vir-lhe."
"penso que não. acabou há coisa de uma semana e tal."
"pois." [leia-se, "pois, ou isso."]

(o ciclo são 28 dias. estar a duas semana de ter acabado, ou a duas semanas de começar vai dar praticamente no mesmo. ora pois.)


vou à ginecologista. espreita-me o útero com o olho cinzento. está entumescido. muito.
"a menstruação deves estar vir-lhe."
"hm... deve ainda faltar uma semana, talvez."
"mas está próxima. da forma como está, já passou a 2a fase."
"hm..."

(o útero rasga-se no dia seguinte.)


(o que é que eu quero tirar disto? sei lá. talvez que há muitas formas de ver o mundo. e que, depois, há os reforços - positivos ou em falta, os que vemos e os que deixamos escapar, os que nos aparecem evidentes e aqueles que vemos porque queremos ver. e são talvez esses reforços, que vindo como consequência, nos encorajam um caminho a seguir. ocasionais e casuais, vão desbastando um caminho e, inevitavelmente, esbatendo outros que não nos deram motivos para voltar a passar por lá.)


sexta-feira, janeiro 14, 2011

fazer do negro humor


confesso que sempre achei mórbida a tendência imediata de fazer piadas sobre pessoas estraçalhadas e afins. que não haveria maior insensibilidade do que rirmos da desgraça dos outros. mas mudei de ideias. pior é sofrermos com essas desgraças que preenchem a TV, que mancham de sangue os jornais, que passam de boca em boca à nossa porta. pior é afundarmo-nos nelas, nas desgraças alheias com medo que nos toquem a nós um dia, pior é desiludirmo-nos com o ser humano e, depois, como consequência, com o mundo e a vida em geral.
rir das desgraças é até muito bom sinal. sinal que apesar de tudo o que acontece de horrível à volta, nós lhe damos a volta, rimo-nos um bom bocado, e continuamos. não temos outro remédio.


quinta-feira, janeiro 13, 2011

3:45






não sei se as relações humanas têm alguma coisa de lógico. mas deverão ter, talvez,
pelo menos muito de prático.

...


afinal



- são rosas, meu senhor, são rosas...
- rosas em Janeiro?!

(pronto, está bem, são camélias.)



terça-feira, janeiro 04, 2011

boas formas de começar o ano





(entrar numa loja de produtos hortículas, ou espreitá-la apenas pela janela, é dar asas à exploração - dos alhos, das cabras, das abelhas, dos coelhos, das beterrabas para gado, das flores, do caracol. enfim, é ter a certeza que do novo ano lhe havemos de ver os frutos, caso o tempo sacana não estrague a colheita.)


segunda-feira, janeiro 03, 2011

'o que a gente é e o que a gente chega a ser'.


primeiro habituou-nos a ela. à destreza, ao quanto-queres desdobrável em mãe irmã tia avó bisavó e devota de nosso senhor jesus cristo. habituou-nos às mãos grossas e calejadas que secaram o queijo, estiraram as filhozes, bateram o pão-de-ló sequinho e dourado, as mesmas que durante anos lavaram paninhos, alimentaram 8 bocas saídas do ventre, estriparam a terra, esfolaram animais, e desfiaram candidamente as contas do terço, aninhando-se depois sobre o colo numa quietude de alma.

(aquelas mãos que te vi brancas)

habituou-nos à ligeireza, aos caminhos ao terço por amor a cristo, aos caminhos à Terra e à outra terra e onde fosse que tivesse que ser - o que veio da vida foi para aceitar e amanhar.

(aquele corpinho que te vi mirrado)

depois a vida pregou a rasteira e abrandou-lhe o passo. continuaram as mãozinhas ágeis e a carinha risonha enquadrada na trança de cabelo enrodilhado e longo, mas não tão longo quanto a estrada percorrida e os 96 invernos.

(aquelas madeixas que te vi de cinza)

depois cortou a trança, e foi como se cortasse o passado. continuaram os olhos pequeninos felizes de pouco, a notinha pelo natal, pelos anos e mais quando fosse e o coração achasse. continuaram as palavras e o hábito das histórias com que encheu os serões e as nossas cabecitas de mimória muita mimória de outros tempos e costumes.

depois foram as histórias. uma a uma foram sendo apagadas, perdida as páginas, esquecidas, no percorrer das coisas, enquanto as perninhas outrora altas se entorpeciam com o anoitecer.

depois foi-se a mimória toda, e deixou de nos conhecer. e foi-se quem ela era também. foi-se o sorriso e o olhar, num vácuo interrompido apenas por beijinhos de graça vá-se lá compreender os desígnios do criador e o porquê das coisas. ficou-lhe o mundo lá dentro, e nós cá fora sem lhe chegar.

(se eu pudesse ver o que tu vias, aí e quando encerraste os olhos)

depois foi-se a presença. tinha sono, muito sono. isso, dormir só e sonhar quem sabe. pois pois é. foi-se a força e a vontade. e, por fim, num último sopro, a vida.




(julgo que as pessoas, se chegarem a percorrer a velhice, se vão afastando devagarinho. deixando isto, deixando aquilo, uma coisa de cada vez. talvez para não custar tanto, a nós e a eles. o ser humano habitua-se, que remédio tem senão habituar-se, vê-los descer os degraus um a um, com vagar e paciência. e,
se assim fosse sempre, o mundo seria tão mais justo e a vida também: um degrau de cada vez, até chegar ao último. mas o último, por rápido ou mais devagar que chegue, é sempre demasiado grande.)