terça-feira, março 31, 2009

Birras















(Guimarães, Julho 2008)


(ando a deixar o blog de parte. deixo-o sossegadito no seu canto, a girar sobre si próprio. ele chora e eu ignoro. ele grita e eu ignoro. ele faz birra, pede atenção, e eu, impassível, viro a face. mas custa. só que, dizem os mais experientes, os meninos para crescerem fortes têm que ser volta-e-meia ignorados. isto, ou coisa que o valha.
enfim, ignorar. até pode ser desculpa. mas eu, de qualquer forma, também nunca consegui fazer grande coisa ao mesmo tempo. por isso, tenho-me desviado para as outras fixações. digo-o até sem grande vergonha: eu, ultimamente, deixo o menino num canto, e ando às voltas com a vida.)

sexta-feira, março 27, 2009

Ciclos


«Dan: Everybody wants to be happy.
Larry: Depressives don't. They want to be unhappy to confirm they're depressed. If they were happy they couldn't be depressed anymore. They'd have to go out into the world and live. Which can be depressing.»

[Mike Nichols, Closer, 2004]


(vícios, hábitos, fugas. o que lhe quiserem chamar. a verdade é que se põe a vida a passar por um filtro mel-oh-dramático. e tudo ganha um sentido: a culpa é nossa, merecemos sofrer. Ou então: a vida é injusta, e é, e nós não merecemos sofrer. mas sofremos. somos então mártires. e merecemos um céu.)

(a depressão intriga-me. é também uma questão de força de vontade, ou não podemos mesmo lutar contra a biologia? Ou ainda, apesar de tudo o que perdemos, o que é que nos faz manter a depressão?)

terça-feira, março 24, 2009

Shining
















 (os meus sapatinhos)



Eu olho. Vejo aquele casaco colorido sarapintado peludo e moderno. E penso Que raio? Torno a olhar. Ups. Abruptamente, desvio os olhos para o tecto. Espreito. Mas porque raio veste ela aquilo (para além do facto de ter uma ‘etiqueta’ com trademark)? Será que gosta? Não pode. Gosta?, Mesmo? Hm. Viro, e reviro os olhos. Desfaleço.

(o mundo visto de fora, de facto, não tem nada a ver. só mesmo quando calçamos-os-sapatos-dos outros percebemos que, depois de nos habituarmos, diferenciar as coisas passa a não ser assim tão fácil.
fora isto, a take-home message é que: usar coisas fundamentalmente ‘foleiras’ até dá um certo gozo. quanto mais não seja pela reacção que provoca nos outros.)

sexta-feira, março 20, 2009

Hábitos


Tenho uma amiga que não gosta de pobres. E diz-mo assim, chapado, Que não gosta de pobres, Que são ingratos.

(admiro-lhe a sinceridade. somos exageradamente embutidos de desiderabilidade social)

Penso nisto. Andamos tantos dias entretidos connosco próprios, que se torna inevitável não conseguir fugir à rotina. Então, cansados de tanta auto-contemplação, rebelamo-nos e decidimos fazer algo-verdadeiramente-diferente: olha, hoje vou dar existência ao outro! E, zás, deixamo-nos abalroar pelo altruísmo. É verdade! Inunda-nos então essa onda de bem, esse estado que nos faz querer melhor para o outro, para o próximo, do que para nós mesmos. Afinal, é tão-bonito dar. Dar o que nos sobra, o que temos a mais em casa. Dar até o que o nosso dinheiro pode comprar. Dar. Ao outro que não tem, ao outro que não pode.

Vestimos então, plenamente motivados, o hábito de monge bom-samaritano. E, de facto, damos. Damos de sorriso na face, emocionados com esse gesto de dar. Percorremos as ruas, ou as saídas das missas, e acabamos a saltitar nos bicos dos pés, tal bailarinas apaixonadas. Porque demos! E recebemos até um conjunto de graciosidades para galardoar o gesto! E tivemos até benefícios fiscais!
Então, reforçados, prosseguimos no dar. Entregamos benevolamente o pão, e o sorriso, esperando implicitamente o “obrigado”. Mas, subita e inesperadamente, ui!, eis que temos um outlier! E, em vez do galardão, sai-nos o rugido.

Penso. De onde nos vem a ideia de que os pobres têm-que-ser “gratos” (que os cegos têm que ser “bons”?). Penso, e acabo a desconfiar que deve vir do mesmo sítio que nos enfia a ideia que os-que-dão são sempre humildes, e que não vestem o hábito.


(três coisinhas: (a) aprendemos a esperar o reforço, ou está-nos “no sangue” essa esperança? (b) somos, de facto, criaturas de hábitos. e até dá jeitinho sê-lo. compomos o gesto, enfiamo-lo no calendário, e pronto. temos o céu guardado. (c) mas as rotinas também são lixados. porque, por meio de automatismos, as coisas acabam por perder o significado.
fácil é habituarmo-nos a dar, a dar o que temos, e o que temos possibilidade de ter. mas desconfio que o difícil vai mais além: deixar de dar o resto para se dar a si mesmo.)

quinta-feira, março 19, 2009

The knack
















(Antigo lagar do azeite, aldeia de Espinho, Miranda do Corvo, Março 2009)         



temos que pensar pensar pensar. se pensarmos nas coisas somos capazes de fazer.nunca devemos considerar que não somos capazes de fazer porque é um erro somos sempre competentes e é assim que temos que pensar.


(um tributo ao meu pai: menino, homem, marido, companheiro, educador, sapateiro, electricista, agricultor, mecânico, and so-on-so-on-so-on. enfim, um verdadeiro engenhocas.)

quarta-feira, março 18, 2009

«Hoje [já] é o dia.»





So fathers be good to your daughters
Daughters will love like you do (...)

On behalf of every man
Looking out for every girl
You are the god and the weight of her world

So fathers be good to your daughters
Daughters will love like you do
Girls become lovers who turn into mothers
So mothers be good to your daughters, too


(porque isto de se ser pai começa-se do início, desde o ventre. desde o ventre em que cresce o filho, desde o ventre em que cresceu o pai. desde o ventre primeiro, até. ser pai começou ontem, na preparação. e, como diz o ditado, falhar na preparação é preparar-se para falhar.)



música: Cat Stevens, Father and Son, from Tea for the Tillerman, 1970;
letra: John Mayer, Daughters, from Heavier Things, 2003

quinta-feira, março 12, 2009

Dar o rabo à seringa
















(Lisboa, Fevereiro 2009)


Parece-me a mim que, mais que um dom inato para nos conseguirmos suster acima das dificuldades da vida, e destas crises que nos assolam o juízo pá!, essa leveza-de-espírito a que aspiramos se faz por-meio-de
muita coisa boa, mas também de muitos arranhões, de muitos bocados mal passados, de muitas quedas, de muitos trambolhões, de muitas desilusões, desaires e afins. De muita experiência, digamo-lo assim. Ou seja, meus senhores e minhas senhoras, meus meninos e minhas meninas, de muito calo no rabinho.

segunda-feira, março 09, 2009

Dias a mais.




não é que haja muita gente a morrer de velhice. não é haja que uma forma de se morrer de velhice. nem é que seja mais fácil, ou que custe menos. nem que haja uma idade para se dizer adeus. uma idade certa para se deixar tudo. não. não é, não há.

mas que bom se pudesse ser. viveríamos tudo o que queríamos viver, sonhávamos todas as coisas, fazíamos todos os planos e vivíamos tudo, até ao limite do que traçámos. e se mais sonhos aparecessem, viveríamos todos, tudo, até se esgotar.

depois, já cansados de tanto viver, escolheríamos o último lugar, e fecharíamos os olhos. não ia custar, estávamos preparados. satisfeitos com a vida, esboçaríamos um último sorriso. apaziguados nós, apaziguados eles, aqueles que amamos e que nos amam, cessaríamos o pêndulo. e daríamos então o último suspiro.

e seria o certo. o justo até. porque tínhamos vivido tudo.

(acredito que quando a vida leva de rajada alguém, ou até quando leva devagarinho, o que dói mais é a injustiça do golpe. que o que angustia são esses sonhos que ficam por viver, as vidas que ficam por completar. os vazios que ficam por preencher. no fundo, o que ainda podia ter sido, e não foi.)



(música: Joe Hisaichi, Summer,
do filme de Takeshi Kitano, Kikujirô no natsu, 1999;

*letra: Os dias sem ti, Sitiados)

quarta-feira, março 04, 2009

Guardar chocolates para dias de frio, vento e chuva















(foto: mifares; Barragem de Alqueva, Portugal, Dezembro 2008)


Chove.
Cai chuva. Voa até.
Corre o vento,
leva-a por baixo do guarda-chuva,
esvoaçam-nos os cabelos,
esvoaça-nos o cachecol,
tapa-se-nos a vista,
molham-se-nos as faces
as mãos,
e tudo o resto que nos pertence.

Chove,
continua a chover.
Lá fora, cá dentro.
Escorre-nos a chuva pela espinha abaixo
encharca-nos as vestes,
ensopa-nos os pés.
Enregela-nos.

Enfim, um desaire.

(ainda bem que temos memória.
para lembrarmos os beijinhos do sol de outros dias.)

terça-feira, março 03, 2009

«Mudasti?»


O mundo mudou, diz o Público. E o público assiste, tem a palavra, sabe: vê de fora, vê melhor.

E eu, mudei? Descobri que o us era usado pelos monarcas em old english para se referirem ao próprio, ao me.

(descobri mas digamos que as minhas descobertas são sempre reinvenções. lembro-me que uma vez descobri por fonte alheia que as rosas do deserto, aqueles aglomerados que se assemelham a rosas em pedra, eram xixi de camelo cristalizado. xixi? que giro! esse meu eu, mais tarde, foi informado que aquilo eram, apenas e afinal, rochas. e esse meu eu transformou-se, deu lugar a outro. rochas? hm. suspicious.)

Penso nisto. Que eu também sou muitas, e muitos. Que somos nós, aqui dentro, a lutar cada um pela sua existência. Numa luta desenfreada para sobreviver. Que este nós existe paralelamente, mas que também vai existindo, serialmente, numa linha de tempo.

(ultimamente, ando a descobrir muita gente cá dentro. volta e meia fazemos festas. outras, andamos à porrada. outras ainda, lá andamos sossegaditos, a viver aos goles enquanto os outros dormem. não sei se no final ficaremos todos, não devemos ficar. não ficamos não. há até alguns eu’s que já não vejo à muito. que não voltarei a ver talvez. que não verei mais. penso nisso, e sinto saudades.)

O r. diz que eu mudei, que não sou a mesma. E di-lo com uma tristeza que me chega a doer. Ecoa em mim essa desilusão. Mudei?, mesmo?? Talvez. O Darwin dizia que os menos aptos num determinado contexto não sobrevivem para deixar herança. E num mundo em que vários coexistimos e queremos sobreviver, os mais ingénuos são sempre menos aptos.

(evitável isto? ou é somente a evolução natural das coisas?)

O mundo mudou, inevitavelmente. Mas visto de fora, ao longe, na abstracção dos pormenores, em média, continua tudo igual – uma lástima. Eu é que desisti de o mudar. Sim, é verdade, mudei.