segunda-feira, março 09, 2009

Dias a mais.




não é que haja muita gente a morrer de velhice. não é haja que uma forma de se morrer de velhice. nem é que seja mais fácil, ou que custe menos. nem que haja uma idade para se dizer adeus. uma idade certa para se deixar tudo. não. não é, não há.

mas que bom se pudesse ser. viveríamos tudo o que queríamos viver, sonhávamos todas as coisas, fazíamos todos os planos e vivíamos tudo, até ao limite do que traçámos. e se mais sonhos aparecessem, viveríamos todos, tudo, até se esgotar.

depois, já cansados de tanto viver, escolheríamos o último lugar, e fecharíamos os olhos. não ia custar, estávamos preparados. satisfeitos com a vida, esboçaríamos um último sorriso. apaziguados nós, apaziguados eles, aqueles que amamos e que nos amam, cessaríamos o pêndulo. e daríamos então o último suspiro.

e seria o certo. o justo até. porque tínhamos vivido tudo.

(acredito que quando a vida leva de rajada alguém, ou até quando leva devagarinho, o que dói mais é a injustiça do golpe. que o que angustia são esses sonhos que ficam por viver, as vidas que ficam por completar. os vazios que ficam por preencher. no fundo, o que ainda podia ter sido, e não foi.)



(música: Joe Hisaichi, Summer,
do filme de Takeshi Kitano, Kikujirô no natsu, 1999;

*letra: Os dias sem ti, Sitiados)

4 comentários:

O Chefe disse...

Ia haver prai gente muito idosa, o metro ja esta atulhado que chegue.

menina de porcelana disse...

também pensei nisso. que já somos muitos e que isto já está o caos. que nas grandes cidades já quase não nos podemos mexer. que há casas e mais casas, catrefadas de casas. e as estatísticas apontam para que, nos próximos anos, sejamos ainda mais

(estes cuidados de saúde, pá, que nos vêm aumentar a esperança média de vida pá.)

mas sinceramente duvido que os idosos se enfiassem em metros.
a) porque não me parece que lá realizassem sonhos. a não ser que quisessem ser assaltados, ter a possibilidade de dar uma "tareia a sério" no fulano, e sobreviver. porque ainda tinham sonhos por viver e ainda não tinham agarrado o pêndulo.
b) porque não são os metros os lugares de destino. não. os lugares de destino chamam-se lares. lares, lares, e mais lares. catrefadas de lares
(há sempre alguém que ganha com isto).

mas, enfim, fica a intenção. a intenção de que ninguém morresse sem um sorriso de plenitude nos lábios. de que ninguém morresse a deixar amantes, companheiros/as, filhos/as, mães, pais, e-por-aí, destroçados.

(geralmente as minhas intenções, e os meus sonhos, rasam muito o impossível).

Filipa Júlio disse...

o problema é que o bicho humano (aka nós todos que andarilhamos à superfície da terra) está cada vez mais insaciável. e a insaciedade não permite a plenitude, a sensação de "já chega".
seria, portanto, um grande problema convencer bichos não saciados a abdicar da vida. penso eu de que.

(óptima posta, by the way)

menina de porcelana disse...

pensas tu de que, e eu concordo de que.

dizia até o FPessoa através do ACampos: "porque eu quero tudo,
ou um pouco mais, se puder ser, Ou até se não puder ser...".

(sim, é verdade. um grande problema. sim, é verdade, «a insaciedade não permite a plenitude, a sensação de "já chega"». mas também eu, insaciada desta nossa condição, quero "um pouco mais, se puder ser, Ou até se não puder ser...".)

(rasam, tocam, abraçam - imergem até no impossível.)