I
A velha olhou o Horizonte. Em frente, as luzes iam-se acendendo e as famílias reuniam-se em torno de conversas animadas. Fechou a janela. Os estores sujos afiguraram-se mais pretos. Sentou-se na cama, fechou os olhos e lembrou. Outros tempos, dizia ela, Outros tempos.
Percorreu o caminho comprido. Há quatro dias que se encerrara em casa para trabalhar. E soube-lhe bem. Estava para continuar. Mas os amigos insistiram. Tens que sair, vai fazer-te bem. Vamos àquele bar, anda. Foi. Quando chegou tinha o lugar à espera. As conversas, os festejos, os copos. Subitamente, Tanta gente ali. Quem são estas pessoas. Tanto barulho. Só.
Tinha 27 anos. O corpo inerte, em coma há 18 anos, não parecia fazer conta dos cuidados. Todos os dias enfermeiros, médicos e auxiliares passavam por aquele quarto. Todos os dias os pais entravam e falavam com ela. Pegavam-lhe na mão e sonhavam. Mas o mundo mudara à sua volta. E, inconsciente dessa mudança, inconsciente já de si mesma, permaneceu a menina que antes fora.
II
Há tantas pessoas sozinhas.
Se as pessoas sozinhas se juntassem todas
deixava de haver pessoas
sozinhas.
(deixava?)
(à noite no escuro do meu quarto
oiço o meu coração no silêncio bater batER BATER e penso
Se eu morresse agora
morria sozinha Sem ninguém
saber.
e dói-me cá dentro a Solidão.)
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