quarta-feira, setembro 17, 2008

sim, indiferença.

    
Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar
E como hoje igualmente hão de bailar
As quatro estações à minha porta.

Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei
Haverá longos poentes sobre o mar
Outros amarão as coisas que eu amei.

Será o mesmo brilho, a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.


(custa-me esta indiferença. porque não mede o tamanho das nossas sensações, dos nossos afectos, das nossas dependências. não mede o tamanho dos medos, das ambições - do desejo de termos sempre mais que um momento. sim, custa-me. porque não mede os sonhos, não mede os planos, e o quanto nos vemos incompletos para completar. porque não mede o amor dos outros e as consequências da privação. porque não mede a justiça nem a injustiça. e procede absurda e inconsciente. ao acaso. e não repara na ironia.

indiferente.

e, por isso, custa-me. porque não mede o tamanho do apego que ganhamos à vida.)



[poema: Sophia de Mello B. Andresen]
   
      

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