no bairro em que morei, todas as casas tinham jardim ou terraço. dava trabalho mas também permitia outras liberdades. ter um cão e dar-lhe um espaço, por exemplo. o meu vizinho tinha um dálmata. lembro-me de passar na rua e de o ver trancado na sua casota, a qual consistia numa "psicina" de tijolo com paredes de rede. ia ladrando a quem passava, e era uma tristeza vê-lo ali confinado à solidão. talvez por isso, ou por um certo receio obscuro dos donos, de vez em quando soltavam-no e deixavam-no à vontade. nestas alturas, eu sentava-me sobre a calçada da nossa casa e ficava a observá-lo. vum, vum, vum. uma volta e passava por mim. e outra, e outra. eu ficava a vê-lo, e a tentar percebê-lo. ali às voltas à casa, a correr desenfreadamente. como os ciclos da lua acelerados. como se não houvesse amanhã. ou apenas como se receasse que amanhã já não fosse livre.
(às vezes ficamos tanto tempo presos, que a liberdade nos dá para a loucura. é ver-nos correr correr e correr, cegos. a bater contra paredes, também. depois cansamo-nos. um dia. fica o que passou e aquilo em que nos tornámos. e se valeu a pena ou não.)
3 comentários:
Chama-se SDJL "Síndrome Da Jaula Aberta". Já deve ter uma referência no DSM-V.
BUUUUUM!
o mundo lá fora é uma selva (com uma referência no DSM-V para cada tipo de animal!). mas nós, insatisfeitos, insistimos em ir para lá quando estamos seguros. e, uma vez lá fora, há-de haver um dia em que sentiremos falta da segurança. quando atingirmos o 'limite'.
porque não percebemos realmente o que é estar seguros, enquanto não tivermos corrido o risco. e não sabemos o que é a liberdade se nunca tivermos estado protegidos. mas também não o saberemos enquanto continuarmos acomodados.
há que cortar o ciclo... antes do BUM? ou o BUM é necessário na existência... para uma nova etapa acontecer?)
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