sexta-feira, fevereiro 27, 2009

A importância de ser Verónica


A avó do r. já foi Verónica. Uma das melhores!, palavras dela na boca dele. A avó da j. também já foi Verónica, e a mãe dela também. Todos os anos, no dia de Passos, junta-se a multidão para ver a Paixão. Chegou a vez da j., ela própria, ser Verónica. E foi. Mas desafinou. Ui!, bichanaram as antigas Verónicas. 1000 e quantas pessoas, centenas de ex-Verónicas a assistirem, e ela desafina-me pá!

Imagino a cena. Cristo a morrer com a cruz às costas, as mulheres choram, gritam, berram – tudo corre como planeado. Cristo a cair esparramado no chão, ferido e cansado. O suor, o sangue, gotejam-lhe pela face. Do meio desta massa de lamentos irrompe a Verónica, que acorre com o lencinho branco entre as mãos. A multidão continua em delírio, aos berros. A Verónica prostra-se perante o Homem, limpa-lhe o rosto e, depois, muito esperadamente, canta. A multidão, até então completamente alucinada, detém-se. Ui! quem é esta? ai! desafinou. e bem! que vergonha. no meu tempo isto não era assim, ai não era não. e quando eu fui Verónica? ui!

Cristo ergueu-se já. Prossegue com a cruz às costas. Deixa um rasto de sangue, sobre o arrastar pesado da cruz, até ao Calvário. Mas tem o rosto mais limpo.

(há coisas que me transcendem. a importância de se ser-Verónica não é uma delas: transpuséssemos todos o pranto e limpássemos o rosto a quem carrega uma cruz. mas, já a importância de não-se-desafinar quando desesperamos e vemos morrer aos poucos e injustamente alguém que amamos, ultrapassa-me, ui!, e bem.)

quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Status


menina de porcelana. [signed in] (away)

segunda-feira, fevereiro 23, 2009

7 vidas (ou, pelo menos, 82.6* carnavais)


Às vezes apetecia-me começar este blog(ue) todo outra vez. Compô-lo mais resoluto, mais colorido, mais bonitinho. Ou, pelo menos, simples. Isso, muito simples.

(e, depois, tudo o resto também. tipo a vida. recomeçá-la uma e outra e outra vez. até ter esgotado todas as possibilidades sonhadas. calculo é que os 82, nem sequer os 82.6, carnavais chegassem para o efeito.)



*esperança média de vida à nascença esperada para as mulheres portugueses no ano de 2009.

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

«Porque eu quero tudo...»*


Tudo. Tenho de tudo um pouco. Desde a espiga na ponta dos cabelos até ao síndrome-de-acho-que-parti-o-dedo-grande-do-pé-mas-sei-que-não-parti-mas-dói-como-o-raio-de-vez-em-quando-e-o-pior-é-que-não-se-sei-porquê-e-isto-pressupõe-algo-desconhecido-e-por-isso-grave. E se não é quebra, nem espiga, nem algo-que-o-valha, é algo decerto muito semelhante. E grave, acima de tudo grave. No entanto, apesar de todas estas hipóteses de doença incontroláveis, nada é pior que as maleitas que inventamos. Por exemplo, e entre outras coisas, o meu vício-de-escangalhar-os-dedos-incontornável: é que mesmo quando sei que não o devo fazer, porque traz e trará problemas, eu continuo a fazê-lo.

De facto, sempre me achei um desastre a tomar decisões: saem sempre-sempre frustradas. Ainda que eu saiba que o caminho não é por ali, vá-se lá saber por intermédio de que bruxarias mentais, é esse, e exactamente esse, o caminho que escolho. E isto simplificando a dois caminhos, porque a realidade está repleta em cada esquina, e até nas linhas rectas, de uma infinidade de caminhos para escolher. Ou seja, um terror.

Vagueava eu por aí, quando vislumbrei uma possível causa (ah! tem que ter uma causa! ora essa!). E, afinal, tem um nome isto. Diz o Antoine Bechara**: “it’s like drug addiction. Addicts can articulate very well the consequences of their behaviour. But fail to act accordingly. That’s because a brain problem. (…) Damage to ventromedial area causes a disconnect between what you know and what you do”.

Assim, [even that these patients] “knew intellectually what was wrong (…) that knowledge was not enough to change the way they played the game.

(tramado isto. e não lhe vejo solução. é que, afinal, nós até sabemos. o pior é o resto.)


*Álvaro de Campos / Fernando Pessoa
**citações retiradas de Gladwel, M. (2005). Blink. New York: Back Bay Books. pp. 61.


quarta-feira, fevereiro 18, 2009

Unidade de Cuidados Intensivos


Todos temos problemas. Problemazitos, chamemos-lhes assim. E é um facto. Mas, por mais inócuos que sejam, damos-lhe sempre uma importância desmedida. Afinal, são os nossos problemas, não importa o tamanho, são sempre pedras-no-sapato.

No entanto, devido ao facto de levarmos relativamente bem a vidinha, acredito que passamos grande parte do tempo a pensar que (ou sem pensar que) desgraças-DESGRAÇAS só acontecem aos outros. Depois, avessamente, quando nos calha na vez e se nos estilhaça o mundo, desesperamos. E bradamos, Porquê-a-mim-?. É que, a partir daquele momento, o mundo deixa de ser ultrapassável. E porquê? Porque relativamente aos outros-que-nos-rodeiam, parecemos estar piores.

(falácia do contexto. na faixa de Gaza é relativamente normal aparecer um bombista suicida.)

Então, passamos a acreditar que desgraças-DESGRAÇAS, só nos acontecem a nós. Mas, por acaso, por simples acaso, infelizmente não.

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

Sérgio


Foi na 1ª classe, com cinco tenrinhos anos de vida, que me apaixonei pela primeira vez. Para além do nome, lembro-me de meia-dúzia de pormenores. Ele tinha o cabelo liso, escuro, que se parecia com um repuxo de espinhos insubmissos; a pele era branca como leite frio; usava uns óculozitos desengonçados e, digamos que para a sua idade, tinha um crescimento de massa corporal acima da média. Se o quero, nostálgica, mostrar a alguém, aparece-me na foto com uma camisola de malha verde-mar-alface e uma postura de ya-meu-vou-fazer-o-pino. Para além disto, sei que andámos uma vez à porrada e que lhe deitei os óculos ao chão.

Não sei, não me ocorre o instante do meu-deus-tenho-um-fraquinho-por-ele. E, na falta de experiência, duvido que soubesse o que isso era. Também não me lembro de perceber porquê ele. Sei sim que corava infinitamente, que as palavras tropeçavam e que eu, entorpecida, bloqueava sempre que falávamos. E isto só acontecia duas vezes: quando nos ofendíamos mutuamente ou quando nos entusiasmávamos acerca do tema único, os desenhos-animados com que ambos delirávamos.

(abstenho-me de comentar, acho que isto diz muito acerca do amor. ou-coisa-que-o-valha.)

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Causas para a (des)graça dos povos (III)


O outro dia a m. e a v. vieram uma teoria que diz que rirmo-nos de situações estúpidas serve de aviso-para-os-outros de que alguém caiu, mas que não se magoou.

(aqui está uma situação em que um sorriso pan-american seria bem mais discreto e apropriado que uma sonora gargalhada.)

Ora, isto do “aviso para os outros de que alguém caiu, mas que não se magoou” é, sinceramente, uma trampa. Eu quando me rio da queda aparatosa de alguém não fico à espera para ver se se magoou ou não: primeiro, e instantaneamente, rio-me aparatosamente também; depois, passo a desgraçadíssima vergonha de ter que me enfiar num buraco para fugir a um ou outro olhar matador que me esfola a insensibilidade.

(de facto, sempre achei isto um problema. é terrível, eu não sou insensível. porque é que o pareço?)

Nem sei de onde vem esta ideia de pensar-antes-de-agir-impulsivamente. Acaso alguém pensa racionalmente antes de tirar a mão de uma superfície a escaldar? Não: agir impulsivamente é-a-resposta adaptativa aos atrasos burocráticos da racionalidade! E nem se pensa se houve ou não alguém que se magoou – ora essa!, é o meu corpinho que se queima. Assim, e prosseguindo no raciocínio, se sou eu-e-este-instante que estamos em questão, rir-me agora também não me diz que no futuro os papéis se poderão inverter. Claro que não: nós nunca iremos cair, os outros é que caem.

(enfim, isto de sermos animais na essência também é uma trampa.)

Só que a vida, marota, também prega rasteira, e dia virá em que eu espetarei o meu incólume queixinho no chão. Aí, ainda que o meu kit de sobrevivência não me permita antecipar, alguém se rirá da minha desgraça. Se o riso dele foi fruto de genes impulsivos? isso é que já não sei. É que se algumas coisas já vêm connosco, outras aprendem-se. E por melhores que sejam os genes, e os impulsos, na falta de melhores exemplos, aprende-se com o que se vê em volta.

(em suma, rir às gargalhadas da desgraça dos outros também é uma desgraça mundial.)

sexta-feira, fevereiro 06, 2009

Causas para a desgraça dos povos (II)


Hoje de manhã tive uma aparição. Negríssima. Uma criatura medonha, grande vermelha e barriguda, caminhava lenta e segurando com rédea curta um pequeno cachorro saltitante. Quando passei pelos dois, ouvi o dono numa voz arrastada e trombonesca: Anda cá, cão. Estremeci. Conjuntamente, tive uma visão do inferno. Quantas criaturas inocentes não são colocadas, atreladas, nas mãos despóticas de bestas?

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Causas para a desgraça dos povos (I)


Atropelando a variabilidade, existem dois tipos de sorrisos: o genuíno "duchenne" e o alternativo, profissional ou-como-lhe-queiram-chamar, "pan American" (o nome não deixa de ser curioso). Ora, acontece que o primeiro segue as vias da extinção enquanto o segundo prolifera a olhos vistos.

(existe uma altura em que devemos questionar as coisas. uns, ocorre-lhes a ideia com a chegada da maturidade - ou será que a maturidade chega apenas depois da ideia? -, outros torram a cabeça aos pais na idade dos porquês. não sei se eu ainda estou na idade dos porquês ou se algum dia atingirei a maturidade, mas)

Porquê?

Ora, acontece que hoje em dia existem coisas maravilhosas, várias coisas maravilhosas até, entre as quais as chamadas máquinas fotográficas (não me posso estender nas outras coisas maravilhosas, mas). Ora, acontece que essas máquinas só captam o instante (de duração variável, mas) e

(a nossa vida também só capta o instante, o resto esfuma-se no tempo, mas)

é esse instante que tende a permanecer no tempo para as gerações vindouras. Ora acontece que por acaso agora nem interessam as gerações vindouras – não são meus amigos do hi5. ponto. – o que interessa é o aqui e o agora, esse maravilhoso instante captado pela objectiva. Ora acontece que essa lente até é demasiado objectiva, porque só vê o que parece e não se mete com interpretações (há sempre a questão da luz, mas). Ora acontece que a-grande-maioria-de-nós (eu até nem me importava de ser anormal, o pior é que não sou) acha que o que deve passar para a eternidade dos momentos presentes são os momentos de felicidade extasiada.

Porquê?

As teorias evolutivas dizem que parecermos-felizes aumenta a probabilidade de encontrarmos um macho ou uma fêmea que nos considere atraentes o suficiente ao ponto de podermos carregar os seus genes.

(inevitavelmente, a reprodução da espécie)

E isto até faria sentido se percebêssemos o princípio subjacente da saúde mental. E da maior probabilidade de sobrevivência. Mas, o que me preocupa nem é a essência, é a aparência. Pensando que a-grande-maioria-de-nós anda numa de Vá, tira [a foto] rápido que já estou cansada de sorrir! não sei até que ponto esta aparência feliz traduz verdadeira e estável sanidade mental. Ou, pior que isso, verdadeira e estável malinha de valores morais que valham a pena fecundar.

(a mim preocupa-me mais que o injector de genes seja um insensível de sorriso empalhado que um depressivo sincero.)

E inquieta-me que ande para aí demasiada gente a vender o produto, imersa num sorriso americano profissional e que, afinal, tenha é os genes encharcados em anti-depressivos, ou muito-pior-que-isso, em valores-de-superfície que enganem a objectiva dos que sobre eles disparam – aqueles que, depois de seduzidos pela aparência, irão construir as gerações vindouras.

(inevitavelmente, a reprodução da espécie.)

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Catástrofes naturais, chamam-lhes eles.
















(Rock In Rio, Lisboa, Junho 2008)


As baratas são uma praga
a malária uma devastação
a cólera uma epidemia
a SIDA uma desgraça…

e nós?

(algures no tempo, enquanto assistia esmagada contra o próximo às serenatas coimbrãs, surgiu-me pela primeira vez esta questão. assim, visto-parcialmente-de-fora, compreendo que o planeta nos queira erradicar.)