A avó do r. já foi Verónica. Uma das melhores!, palavras dela na boca dele. A avó da j. também já foi Verónica, e a mãe dela também. Todos os anos, no dia de Passos, junta-se a multidão para ver a Paixão. Chegou a vez da j., ela própria, ser Verónica. E foi. Mas desafinou. Ui!, bichanaram as antigas Verónicas. 1000 e quantas pessoas, centenas de ex-Verónicas a assistirem, e ela desafina-me pá!
Imagino a cena. Cristo a morrer com a cruz às costas, as mulheres choram, gritam, berram – tudo corre como planeado. Cristo a cair esparramado no chão, ferido e cansado. O suor, o sangue, gotejam-lhe pela face. Do meio desta massa de lamentos irrompe a Verónica, que acorre com o lencinho branco entre as mãos. A multidão continua em delírio, aos berros. A Verónica prostra-se perante o Homem, limpa-lhe o rosto e, depois, muito esperadamente, canta. A multidão, até então completamente alucinada, detém-se. Ui! quem é esta? ai! desafinou. e bem! que vergonha. no meu tempo isto não era assim, ai não era não. e quando eu fui Verónica? ui!
Cristo ergueu-se já. Prossegue com a cruz às costas. Deixa um rasto de sangue, sobre o arrastar pesado da cruz, até ao Calvário. Mas tem o rosto mais limpo.
(há coisas que me transcendem. a importância de se ser-Verónica não é uma delas: transpuséssemos todos o pranto e limpássemos o rosto a quem carrega uma cruz. mas, já a importância de não-se-desafinar quando desesperamos e vemos morrer aos poucos e injustamente alguém que amamos, ultrapassa-me, ui!, e bem.)