segunda-feira, novembro 30, 2009

a braços com a vida

















estes braços que se estendem ao céu, imenso e amplo.
e nem saberem o porquê.

(porque não vale a pena pensar nisto. vale só a pena viver.)


quarta-feira, novembro 25, 2009

ter os pés assentes na terra





















(ter a lucidez para olhar de perto os pormenores, mas
não tão de perto que nos levem à loucura.)


domingo, novembro 22, 2009

se venceres o instante


Quando te sentas à noite na beirinha da cama e
olhas o mundo curtinho em redor, tão curtinho
quanto o teu campo de visão e
a linha do horizonte que te escapa.

quando vês as luzes do teu quarto as luzes no teu quarto

e sabes tanta vida lá fora.
quando pensas em ti ali, só,
e o silêncio,
só.

(ou então um mundo a abarrotar de emoções)

e então o coração bate
- tu escutas demasiado o coração -

ou o coração bate antes e depois sentas-te na beirinha da cama
e pensas.
e então ouves, mais e mais
e o coração bate mais forte, mais e mais.

quando tu pensas sentes e pensas e sentes
quando tudo é um ciclo.

quando perdes a noção da realidade
e só pensas o corpo, a sentir a sentir a sentir.

quando os pulmões arfam
e tu arfas
e o mundo é tão pequenino quanto a tua mente contraída,
sufocada
pelo peso dos instantes.

quando o mundo é tão grande quanto os teus medos.
pesado

quando tu inspiras
expiras inspiras expiras
cada vez mais rápido, e rápido, mais e mais

e tu pensas

e sentes o pânico a correr-te pelas veias, como agulhas finas, como
formigas atrevidas que te beliscam a carne, quando

sentes a cabeça à roda, e as luzes te encadeiam, e achas que vais enlouquecer,
que a lucidez acaba ali para ti.

e o pânico preenche-te os poros,
e o medo abarrota-te o peito.

e tu pensas.

quando o desespero te atola
e te preenche,
inunda

quando pensas que não interessa quantas vezes sobrevives, que
há-de sempre voltar esse instante
em que tudo bate mais depressa do que aquilo que tu consegues acompanhar,

quando o desespero te enfarta
o peito e a consciência e

já nada importa quando
tudo pesa

Eu sento-me contigo à beirinha dessa tua cama,
imagina-me a sentar-me contigo à beirinha dessa tua cama,
e digo-te ao ouvido

Não te atrevas a desistir.

(e depois abraço-te, muito. e agarro-te a esta vida.)


terça-feira, novembro 17, 2009

mulher(es)






afinal, o que é isto de que somos feitas?



(porque hoje também é dia da mulher. e não só quando ao almanaque lhe apetece!)

segunda-feira, novembro 16, 2009

"Se em alternativa se atira." (*)


sento-me à beira da pequenina pequenininha mesa de café. peço uma torrada e um galão. lá fora o sol espreita pela baixa depois da chuva. há um jornal sobre a mesa. há os restos ainda não recolhidos de pequeno-almoço. há uma chávena com espuma de leite seco. um pratito com migalhas. uma colher alta e um garfo. uma faca de comer bolo. uma faca. e se eu agora pegasse na faca e a espetasse no meu ventre?

imagino o depois. o sangue, os gritos, as fugas. se. empurro para lá. abro o jornal e leio. está uma belíssima manhã.




(*) João Condinho, projecto Se numa noite de inverno um viajante, Exposição em Coimbra-B, 7 a 14 Novembro 2009

domingo, novembro 15, 2009

Fast books




















(Porto-Campanhã, 2009)


alimento para a mente,
porque nem só de pão vive o homem.



quinta-feira, novembro 12, 2009

what the hell??!
























(Tunísia, Agosto 2009)


(há as imagens para as quais as palavras não chegam. e depois há as outras.)


terça-feira, novembro 10, 2009

vou só dar uma voltinha e já volto


Estendeu-me o sorriso, um panfleto, e o convite doce: Juntem-se...
(apesar de ser
eu ali, materialmente, ele deve ter espreitado e visto que aqui dentro, de facto, somos várias...).
Era a Marcha pela Paz e a Não-Violência que varria silenciosamente as ruas de Coimbra.
Devolvi-lhe o sorriso, misturado com um esgar de dor inevitável, e pensei
Mas hoje?! Agora?! Tem mesmo que ser agora?! É que 'agora' não me dava jeitinho nenhum...
e também Mas porque raio não fui eu pela outra rua?!...

O sorriso foi-se afastando, desvanecendo. Não lhe cheguei a ver o fim porque entretanto já me tinha escapulido daquele embaraço de momento a sete pés.

(Eu, se pudesse, evitava estes momentos. Sinto-me obrigada a ter uma desculpa decente, inadiável, qualquer coisa que invoque vida-ou-morte e que justifique decentemente a falta. Porque dizer Tenho mesmo que ir fazer umas compras ou Preciso desesperadamente de ir correr infelizmente nunca soa a vital. Preciso de qualquer coisa que equipare a luta Mundial pela Paz e pela Não-Violência, ou a situação Nacional dos Desempregados, ou a dos Sem-Abrigo que nos estendem a mão mesmo à porta da loja onde acabámos de gastar rios de dinheiro. Porque dizer Não tenho dinheiro, seja a quem for, sempre me soou uma desculpa visivelmente mais esfarrapada que as calças que o pobre do homem veste. E assim evitava-se o desperdício de palavras, energia e afins. Evitava-se o embaraço.

Porque

É incómodo, O mendigo, Ver o Mendigo, Olhar o mendigo, olhos nos olhos, e Ter que desviar o olhar, ou Ter que Replicar qualquer murmúrio de desculpa,
É incómodo. Pensar o mendigo, E ver-me a mim, sem uma resposta-ou-uma-acção à altura, no meio disto tudo.)


domingo, novembro 08, 2009

talvez também as segundas-feiras.


anoitece rápido. caminho até casa a ressentir a falta de uma noite bem dormida. ouve-se o silêncio por entre as folhas das árvores. nada. ouve-se um carro a rodar sobre a estrada molhada. nada. ouvem-se passos, alguém que empurra a porta e chega a casa. alguém que faz o último passeio de fim de semana. nada. se calho a entrever a Baixa, há um ou outro marmanjo pelas esquinas, à porta do único café aberto e já aquecido pelo álcool que não lhe deixa distinguir os dias. de resto, nada. há talvez um ou outro observador, disperso, a rondar as montras, a rondar os pensamentos (assustam-me esses, porque reparam em nós). mais nada.

vou para casa. no caminho breve, ouve-se o chiar do vento gélido pelas ruas. ouve-se também, de tempos a tempos, o rolar das malinhas de viagem na calçada. não apetece fazer nada. toda a realidade parece outra. escura e triste. fico eu e as ruas, sós.

(não há nada mais deprimente que um domingo de inverno ao anoitecer.)


quinta-feira, novembro 05, 2009

«...enquanto não alcances não descanses...»






















Alberto:
- Terás tu... Terás tu achado o que procuro? (...)
Tomás:
- Não sei o que queres dizer. Mas tenho a certeza de que não achei o que procuras. Porque, se tu procuras, só tu podes achar.


(Vergílio Ferreira, Aparição, 1959, p.146)


inimputabilidade


'ela é doida!' 'matou o filho' 'saltou da janela' 'cortou os pulsos' 'entupiu-se em fármacos' 'e tinha uma carreira brilhante' 'eu nem dei por nada, ela parecia tão feliz!' 'já viste o que ele fez à namorada?' 'regou-a com gasolina e pegou-lhe fogo' 'parece um tresloucado, não diz coisa com coisa' 'ele é estranho' 'e a mania das limpezas?!' 'teve uma crise de ansiedade só porque lhe disseram que não?' 'passou-se' 'que parvoíce, ter medo de um animal tão pequenino!' 'matou os pais' 'esmurrou a senhora da caixa' 'pegou nos filhos e um a um afogou-os na banheira'.

prometeu-lhes que baixava os impostos, e mentiu.

(não sei o que é que é pior - e lamento meter isso em questão - se a barbaridade cometida quando se perde o fio à meada, se a judiaria quando se está pleno de si. de qualquer modo, as coisas são muito relativas.)


terça-feira, novembro 03, 2009

constatações


se é sabido pelas leis da gravidade que a água tende a escorrer pela face abaixo enquanto tomamos duche, que por coesão as moléculazinhas 'molhadas' - que estão na cabecinha e que continuam na testa e que encharcam também os olhinhos pela simples razão que nos molhámos de cima a baixo - que essas moléculazinhas vão querer manter-se juntinhas e vão também querer misturar-se não sei por meio de que obscuro mas decerto lógico princípio, Porque raio, Digam-me porque raio!, fazem champôs que ardem nos olhos?


diz-me tu
















(Coimbra, Portugal)


(estava para aqui a pensar se ía dar uma resposta profundamente filosófica carregada de tragicidade individual, ou se ía simplesmente responder uma coisa concreta.)


La conjugaison du verbe faire


I talk talk talk talk
but it's just talk talk talk.


viver passa muito por definir critérios (VII)


preenches um dois três e quatro critérios. lamento,
falta-te um. és uma perturbada sem especificação.


domingo, novembro 01, 2009

viver passa muito por definir critérios (VI)












              
quando se estende a plataforma para
ver partir os viajantes e
se põe o sol a pique, quente que estala e
é sexta-feira e
demasiada gente para os poucos abrigos,
ou para os abrigos curtos, delgados,
para as massas que seguem viagem a uma sexta-feira.

quando o sol cai a pique e depois desliza
enquanto o tempo passa, e
a sombra desliza,
quando o tempo corre, e

se criam dois territórios: o da luz
e o da sombra.

quando se sucede a aglomeração das massas que
esperam e depois desesperam, e
a forma como criam a fronteira e
como se mantêm no seu território, e o procuram
enquanto se movem, enquanto se movem inconscientes,
inconscientes que mudam enquanto
a areia escorre na ampulheta e uns

procuram a luz, quente na pele, e
os outros se refugiam na sombra.

tudo isto

enquanto o sol traça no pavimento cinzento
uma linha imaginária.


(na noite bebemos e tornamo-nos mais bichos. no sonho, e
na realidade. deve ser da falta de luz. da escuridão. misturamo-nos. com os outros, e misturamo-nos cá dentro.

talvez a ausência da linha faça sumir o critério.)