Durante muitos anos, a minha avó andou a cultivar-me memórias. primeiro, por meio de estórias contadas com ligeireza deixava-nos, a mim e à minha irmã, a sonhar com personagens fantásticas deste mundo e do outro. depois, quando já éramos grandinhas o suficiente para ouvir outras histórias, fazia-nos chegar ao ouvido, por entre muito riso e algum gozo, as traquinices da nossa mãe quando era pequena. e, mesmo repetindo uma e outra vez os pequeninos episódios, parecia não gastar as recordações.
nos últimos anos, entregue já aos cuidados dos filhos e com poucas histórias ou vontade para as contar, não se esquecia ainda assim de, por entre os beijinhos da despedida, nos entregar carradas de 'mimória, muita mimória!' que pudéssemos precisar para os estudos. e eu, enternecida com a atenção, lá vinha cambaleante com aquilo nos braços, crente que era capaz de me fazer falta, se não ainda hoje, um dia talvez.
desconfio é que a minha avó andou a dar coisa a mais. e que, ao dar tanta tanta 'mimória', acabou por ficar sem ela.
É uma querida a minha avó. pena é eu agora ter baús cheios de memória(s) e não poder partilhá-la(s) com ela.
3 comentários:
:(
(as avós, todas as avós, deviam receber a medalha de mérito pelos serviços de vida prestados)
é verdade filipa... isso ou 'pelo menos' muita atenção, cuidados & carinhos, em vez de serem deixados esquecidos nos hospitais, em lares, ou no domicílio com a companhia sempre pachorrenta dos cartões [tipografados] de rápidas melhoras, de aniversário ou de boas festas.
'pelo menos' muita atenção, cuidados & carinhos... para os fazer sentir que valeu a pena...
(espero que quando chegar a minha vez, eu não tenha coragem de me esquivar a isto)
p.s.: coragem não é bem o termo. é mais 'o desplante de me esquivar a isto!'.
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