"The range of what we think and do is limited by what we fail to notice. And because we fail to notice that we fail to notice there is little we can do to change until we notice how failing to notice shapes our thoughts and deeds." (Ronald D. Laing)
quarta-feira, julho 29, 2009
quarta-feira, julho 22, 2009
matriz
que tenho um útero bonito, disse ele, perfeito. que dificilmente irei ter problemas com um útero assim. ainda ele não acabou de dizer e comecei já eu, completamente embevecida, a imaginar os filhos a crescerem-me neste útero, primeiro um depois outro, depois outro e outro. os dedinhos perfeitinhos, minuciosos, os labiozinhos de rosa, as dobrinhas das carnes tenras. as crianças a desenvolverem-se, a crescerem, a preencherem-me o útero. depois a saírem, a percorrerem as coisas, os objectos, as pessoas. a crescerem mais e mais. a preencherem-me a vida. imagino essas crianças, minhas, células das minhas células, carne da minha carne, crescidas aqui, neste útero, essas crianças, esses adolescentes, esses adultos. e, depois logo, eu, já velhinha, definhada mas realizada da vida, pronta para adormecer e retornar ao outro útero, ao da mãe primeira, húmida e escura.
(as mulheres. dá-se-lhes uma palavra, uma frase, seja o que for, e dá-se-lhes, ao mesmo tempo, pano para costurarem divagações.)
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terça-feira, julho 21, 2009
instantâneo
(Porto, Portugal, 2009)
Enquanto estendo o pé em cada passo,
enquanto vislumbro a estação,
enquanto subo o degrau do comboio,
enquanto me sento e acomodo,
enquanto espreito pela janela,
enquanto vejo a cidade a mover,
enquanto páro na estação seguinte e depois na outra e na outra depois,
enquanto contemplo o homem sentado,
enquanto o vejo afastar-se, momento atrás de momento, sem rasto palpável, ou que possa aconchegar no colo, enquanto lhe tento reter a face, a expressão, pensando que talvez não o volte a ver jamais, e se me derretem na boca, como algodão doce, esses pensamentos fortuitos,
enquanto se dissipa também ela, a face, na marcha do comboio,
e se me passa, também, este dia pelas mãos, pelos olhos, em sons e gostos que só saberei depois,
aí, nesse(s) entretanto(s) prolongado(s), pergunto-me
para onde vão eles, esses instantes em que pedalamos à velocidade da luz?
(assim, visto de passagem, parece-me que gastamos a vida ou no passado ou no futuro. fazia-me falta às vezes abrir a janela do comboio e deitar borda fora Tudo o que não seja aquele instante. Mas.)
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quarta-feira, julho 15, 2009
«E esta, hem?»
Experiência (II)
Nunca fui travessa na escola. Fui sim travessa com a(s) minha(s) avó(s). Com menos de uma década de vida já lhe tentávamos, eu e a minha irmã, passar a perna, convencidas que a esperteza infantil vai mais longe que a sabedoria centenária. Lembro-me que uma vez pegámos em pedaços de pastilha elástica, fizemos bolinhas pequenininas, e colámo-las em raminhos de Mimosa. Depois, com caras de inocência matreira, fomos vender com unhas e dentes aquele achado à minha avó i.. 'Olhe vó, olhe o que descobrimos!' ' Oh, então isso é Mimosa!' 'Não é não vó!, olhe lá, esta tem bolinhas brancas, e a Mimosa não tem!'. Pois sim, riu-se ela. E ficámos nós, com a matreirice a derreter-nos nas mãos.
(enfim, não é à toa que as mães nos mandam investir na sopa. mas acho engraçado, e muito!, que tantas vezes se olhe para os velhos como quem olha para crianças: demasiado crédulos. mas onde raio achamos nós que eles enfiaram os anos de vida?)
«My momma always said...»
Experiência (I)
não sei como o fazem, se o fazem, se não o fazem, se lhes sai simplesmente, como uma criança nos cresce na barriga sem termos que querer assim forçosamente. não sei. não sei como o sabem, se o chegam a saber, se nem pensam nisso. não sei de onde lhes vem essa experiência que parece só (ou principalmente) funcionar no que toca à vida dos filhos. não sei, mesmo. e até pode passar tempo, podem passar tempestades, podem vir turbilhões, bonanças, e acabarmos a pensar que nós, afinal, é que sabemos. mas depois, amassadas as coisas, choradas, requentadas, depois, no fim de tudo, apercebemo-nos que as mães tinham, têm (e terão?) sempre sempre... razão.
(que raiva, pá.)
quinta-feira, julho 09, 2009
convenções
no verão do meu 10º ano, estreou um filme no cinema que toda a gente foi ver, menos eu. armageddon. tinha uma banda sonora pomposa, que acabei por pedir emprestada a uma colega de turma. uma vez que queria ficar com uma versão em K7, decidi pedir-lhe, primeiro. então, com o embaraço da questão atravessado, perguntei-lhe se ela importava que eu usasse o CD dela.
ela olhou para mim, sacudiu-se como um cão molhado, abriu e fechou os olhos em série e, depois, com um esgar de estranheza disse-me qualquer coisa do tipo: 'claaaro...'.
mas, não satisfeita, apanhou-me com a minha melhor amiga e, trumba!, contou-lhe a história, descrevendo-lhe cuidadosamente os pormenores sórdidos da minha ingenuidade. 'pediste-lhe autorização? oh i.! isso já não se usa!'.
já não se usa já não se usa já não se usa, ecoou a frase na minha cabeça, já não se usa, já nao se usa, já nao se usa... não? não mesmo? e.............., deixando de lado as questões do quem-onde-como-e-porquê, desde quando é que não se usa?
(se faz favor, alguém deixe disponível o livro dos usos e desusos das coisas. com datas de entrada em vigor bem especificadas. e com datas de perda de validade também. é que desconfio que me vá ser útil nas imensas manhas da interacção social.)
quinta-feira, julho 02, 2009
You
you' ve got to clean up this mess.*
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