quarta-feira, março 26, 2008

Ainda bem que há o outro.

        
Tenho andado a pensar na vida. Nas coisinhas da vida. Nas coisinhas minúsculas. Nas coisas do nosso tamanho. Neste mundo. Nas pessoas. No mundo que as pessoas construíram. Nas mesquinharias. Nos nadas. Nos nadas e nas tardes de chuva. Na luz cinzenta por entre a janela de uma casa vazia. Na velha dessa casa vazia. Nos filhos dessa velha que viveram numa casa cheia que agora é vazia. No abandono dessa velha. Nos anos que passam. Em tudo o que se deixa para trás. Nos sonhos que tínhamos. Nos sonhos que já não temos. Nos sonhos que decidimos apagar, à medida que a nossa sombra cresce. No que víamos e já não vemos. No que não víamos e passamos a ver. Na ilusão. Na desilusão. No sentido da vida. No sentido desta vida. No tempo. Nos velhos. Nos velhos doidos. Nos velhos que nos olham. No que os velhos vêem. Nos novos que já foram. Nos novos que foram como nós. No que nós ainda não vemos. Nas rugas e na celulite. No que vemos dos outros. No que vemos nos outros. Nas relações. No que nos liga aos outros. No que queremos dos outros. No que eles querem de nós. Nos medos. No sentido desta vida. No que vale a pena. No que não vale. No dinheiro. Na Política. No Pinóquio. Nas políticas. Na batalha naval dos crescidos. No poder. Nas pressões. Nas verdades que se escondem. Nas verdades que nunca saberemos. Nas verdades que não existem. Nas mentiras que nos vendem. Nas mentiras em que escolhemos acreditar. No fardo desta vida. Na morte. Na fé. Nas crianças. Nas crianças degoladas com os olhos postos no sonho. Nos adultos engravatados, e razoavelmente vivos. Nas crianças adultas. Nos adultos embirrentos e chatos. Nos adultos cruéis. Nas mãozitas endurecidas pelo peso de uma arma. No olhar das crianças. Nas crianças sem olhar. Na fragilidade da vida. No azar. No destino. No imprevisto. Na injustiça. Na ironia da vida. Nas coincidências. No acaso. No que insistimos em querer dar nome. No que não tem nome, nem sequer existência. No que queremos explicar. No que não tem explicação. No homem e na sua natureza. Na essência do homem. Neste jogo em que entramos nem sei bem quando. Neste jogo de aparências. Neste jogo nojento. Em pulsos cortados. Em medos. No resto. No que vale a pena. Nos laços que nos amarram aqui. Nos laços que temos e que, nem assim, nos permitem ficar. Na eterna ironia da vida. Em faces no chão e o vento na face. No fim. Enfim, na vida. Triste, mesquinha, pesada e injusta. O que vale é que é curta, muito curta.

(A minha mãe diz: ainda bem que há o outro, senão – credo! – isto seria uma injustiça. Fico a pensar que para suportarmos esta vida apenas precisamos de uma boa, muito boa mentira.)

          

5 comentários:

Christopher Hitchens disse...

"[...] Hitchens described himself as an antitheist and a believer in the philosophical values of the Enlightenment. Hitchens said that a person "could be an atheist and wish that belief in god were correct", but that "an antitheist, a term I'm trying to get into circulation, is someone who is relieved that there's no evidence for such an assertion." According to Hitchens, the concept of a god or a supreme being is a totalitarian belief that destroys individual freedom, and that free expression and scientific discovery should replace religion as a means of teaching ethics and defining human civilization. He wrote at length on atheism and the nature of religion in his 2007 book God Is Not Great. [...]"

in http://en.wikipedia.org/wiki/Christopher_Hitchens

Theo van Gogh/Ayaan Hirsi Ali film: "Submission" disse...

"[...] Mohammed Bouyeri murdered Van Gogh as he was cycling to work in the early morning of 2 November 2004, in front of the Amsterdam East borough office (stadsdeelkantoor), on the corner of the Linnaeusstraat and Tweede Oosterparkstraat. The killer shot van Gogh eight times with an HS 2000 handgun, and Van Gogh died on the spot. The killer also tried to decapitate van Gogh with a knife, and stabbed him in the chest with another. The two knives were left implanted; one attached a five-page note to his body. The note (Text) threatened Western countries, Jews and Ayaan Hirsi Ali (who went into hiding). The note also referred to the ideologies of the Egyptian organization Takfir wal-Hijra. [...]"
in http://en.wikipedia.org/wiki/Theo_van_Gogh_%28film_director%29#2004_death_threats



"Submission" is the translation of the Arabic word "Islam".

The Sunset Limited (2011) disse...

http://www.youtube.com/watch?v=LMqKqrIn1_0 <- The film deals with the relationship established between two grown men, one of which avoids the last minute the other to suicide as the underground train Sunset Limited. For this action, the couple exchanges totally opposite ideologies and positions and in a sustained discussion from different perspectives and backgrounds in their lives.

Adapted from the play by Cormac McCarthy:

http://en.wikipedia.org/wiki/The_Sunset_Limited




"[...] Fico a pensar que para suportarmos esta vida apenas precisamos de uma boa, muito boa mentira. [...]"

Darwin's Cathedral (David Sloan Wilson, 2002) disse...

Acerca do livro Darwin's Cathedral (de David Sloan Wilson, 2002):

http://www.youtube.com/watch?v=BvJZQwy9dvE&t=61m46s

"Factual Realism" versus "Practical Realism"

"Não acredito em bruxas, mas que as há há." disse...

http://www.youtube.com/watch?v=OisdFRGlK-Y&list=PLA20B690583E9931C&t=4m47s <- "[...] In Christian morality, reactive forces prevail over the active ones. [...] In other words, for Nietzsche, the active person is willing to forget, and he contrasts that with memory, which you need in Christianity in order for the redemption story, for example, to make sense. You need to remember the sufferings of the martyrs… remember… memory plays an entirely different role for the master morality; the way Nietzsche puts it they are “strong enough to forget”. So if insulted and you hit the master in the face, he hits you back and that way he honors you and then he forgets it, see. Because first of all, if he turns the other cheek he shames you by saying well you are not, you know, good enough to even fight with me. Rather, you hit him, he hits you back and then you both forget it. It’s the West Texas version of master morality [crowd laughter]. He hits you, you hit him, and then you have treated each other with dignity, and then you forget it. But you don’t turn the other cheek and then remember it; mendaciously remember it “Oh yes, you have hit me now, but later…” There is the secret that will come in with Christianity; the “but later”. [...]"

FULL TRANSCRIPTION in http://rickroderick.org/204-nietzsche-the-death-of-god-1991/