quarta-feira, janeiro 30, 2008

Francisco Anselmo de Barros


Putrefactos.
Todos os homens que não sabem o que é morrer por uma causa.

Sólidos de Catalan


Tinha 14 anos quando me perdi. O pensamento concreto de até então deu o salto e tornou-se (i)lógico, com todos os caminhos em aberto. E fiquei eu no meio das escolhas
e dos escolhos
de tudo o resto que ficou, simplíssimo, para trás.
Catorze anos de um mundo certo, pensando que havia uma idade para tudo. Depois, caí, e percebi
Que a idade não interessa,
que somos bichos eternos
em luta com as escolhas.

Que as escolhas podem ser mal feitas?
Podem, mas que só aprendemos assim – julgamos as próximas, com as anteriores.
E se aprendemos mal, julgaremos mal (óbvio…).

Que o homem não é naturalmente bom sr. Rosseau, nem sequer naturalmente. Que é uma mistela de tanta coisa que anda por aí, e que tentar compreendê-lo e aplicar-lhe uma equação certa que o desvende é estourar a cabeça em mil pedacinhos loucos e estridentes.

Que é tudo uma incerteza
um conjunto de escolhas disparatado
aleatório,
irresoluto,
como quem joga num euromilhões sem sorteio.
Como quem ganha sem saber
E depois morre.

(tanta coisa que fica por saber…)

Que a velhice virá um dia,
E a sabedoria com ela.

Que não sei se a sabedoria chegará com ela, sem ela, se chegará seja com quem for.

Que não há sabedoria –
Há uma e excessivas formas de ver a vida
(e depois há os conformistas e os inconformistas
e todos os outros nos intervalos infinitesimais
que as aceitam ou não.
Ou que decidem ficar no meio e nos meios, porque não há um mas vários
porque nunca há nada que seja uno e simples!)

Que a matemática é um sonho e não bate certo com nada.

(que quanto mais penso
mais esfolo o sossego, mais estripo o equilíbrio.)

Que só a Ceifeira é feliz quando canta.
Mas que os 14 anos dela não a devem ter atirado ao chão...
       
     
 

terça-feira, janeiro 29, 2008

Lost in translation

A sala encheu para te ver morrer. Preto no branco.
Só na tua cabeça nada era assim tão simples.
Faz-me pensar o que nos faz dar o salto final.

O mundo é definitivamente um lugar estranho. E o amor.
Mas como pode alguém desistir aos 23?

Um passo de gigante para os outros, um pequeno para ti.

Recomeça…Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres, Nesse caminho duro Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.*

Mas tu não podes. Ponto.
Pena.
Porque eras só um rapaz, um rapaz chamado Ian.

(*Sísifo, Miguel Torga)


        

segunda-feira, janeiro 28, 2008

We should all be hard candies


I - Quando os frutos caiem.

Se amadurecer significa deixar de ver o mundo de forma bonita e iluminada
e sentir na pele o estalo rude da terra dura,
então devo estar no bom caminho
para um dia poder dizer que, enfim,
apodreci…

II - Loja das Grosserias.

Da próxima vez que te vir entrar na loja de guloseimas com o teu vestido de cetim azul e com esses teus sapatinhos de verniz vermelho, e te vir mostrar esse sorriso cândido de menina
- dessa próxima vez que te vir sonhar –
vou-te agarrar na face suave e nos cabelos doirados
e dizer-te aos ouvidos num rasgão:
que esse Senhor simpático que te mostra os doces como se te os oferecesse apenas,
que esse Senhor que te pede as horas e a quem tu as dás, agradecida,
que esse Senhor maduro e pai de meninas como tu,
é vendedor.
E que esses doces que te estende,
na sua sabedoria refinada,
são doces ressequidos, amargurados e degustados;
E que, afinal, o que esse senhor oferece não são os doces
mas os murros no estômago que ficam no final.

III - Porcos

Enojam-me os senhores que
levam na algibeira descontraída a cartilha do saber muito
e tudo,
e que,
depois,
confundem meninas com Meninas.
        
    
    

Permissão para ser normal

    
Uma das partes irónicas e desanimantes do mundo
é que chegamos ao ponto de ter que justificar
- como quem desespera se não mostrar o contrário -
o facto de vermos o mundo bonito.

E termos que bater o pé e dizer
Não, Não, Juro! O mundo não é nada bonito, Eu não o vejo assim!
Eu sou como todos os outros
Que o vêem feio e decepcionante.
         
           

sexta-feira, janeiro 25, 2008

Permission to Speak Freely (II)


Não vejo muros cor-de-rosa. São muito cinzentos, juro.

Mas meti os óculos coloridos em pequena, e
ficaram-me tão cravados na carne… que
quando os vou para tirar,
dói-me arrancar esse pedaço de mim.

quarta-feira, janeiro 02, 2008

Receita para 2008

(escrevi este texto há uns aninhos, mas achei que era uma boa mensagem de Ano Novo, em jeito de mensagem de Natal do Primeiro-Ministro, ainda que sem Armani nem nariz de Pinóquio…).

Numa época que chamamos de crise, muitas vezes deparamo-nos com a facilidade de apontar o dedo e dizer Não fizeste isto, Não fizeste aquilo. Sempre o que o outro não fez e devia ter feito. E encontramos nessa expiação da culpa alguma libertação do próprio peso (in)consciente que carregamos também. [aqui está o clichêzinho sempre actual… e agora o complemento:]. Porque isso de andarmos mal não É (só) culpa do Governo! – cada um deve governar-se também [o “bom” do trocadilho…]. E já que (des)culpas há muitas, preocupemo-nos também em achar soluções… cada um de nós.
Foi nesta procura que me deparei com indícios de soluções do dia-a-dia nas palavras de um “médico” de que urge Portugal [mas este não é um médico qualquer… é um médico sábio!] – um que receita sopinha quente em vez do medicamento mata-bicho. Conta-nos então Cândido Ferreira (25 Agosto 2005, Campeão das Províncias) um episódio acerca de uma família que a ele recorreu. E como me parece que essa família somos todos nós [Portugueses sobretudo…], atentemos no que nos diz a receita:
“Foi então que fui cravado para uma nova consulta: ‘O Sr. Dr. que é político é que nos podia aconselhar [sem comentários…]
, o que é que a nossa família pode fazer para melhor resistir à crise?’ (…) Manifestando o casal sábia intenção em educar a prole e garantir património, recordo os três remédios que, improvisado ‘médico de família’, entendi prescrever a esses meus doentes:
1º: produzam mais e melhor que os outros;
2º: não guardem para amanhã o que podem fazer hoje; e
3º: não gastem hoje o que não sabem se ganham amanhã.
É que a Europa não é tão burra quanto parece e, qualquer dia, anda por aí a pedir os juros de tanto disparate.”


(Bons conselhos não? Então mãos à obra! ;) )