segunda-feira, fevereiro 21, 2011

porque há uma figura de estilo que se chama ironia.


muito se fala dos parvinhos da geração [à] rasca que para aí anda. de facto, a letra dos Deolinda deu e muito que falar. as opiniões divergem, uns acham que insentiva ao desânimo, que não motiva ao estudo, que se foca no parvo, parva, parvinho e não sai daí. que é uma maneira de uma pessoa se queixar e não fazer mais nada.
'a minha opinião, posso posso dar, posso, a minha opinião'? é esta: uma salva de palmas, basta uma mas bem dada, a quem põe o dedo na ferida. e quem põe o dedo na ferida são os Deolinda quando escrevem o que escrevem. mas o que eles escrevem nem sempre é o que os revolucionários da causa revolucionária querem ouvir. os Deolinda, ou quem deles escreve a letra das música,s tem uma particularidade: não se ficam pelo queixar, viram o dedo para o próprio, e chamam a atenção para os defeitos que também nós temos e não só o outro (e.g. veja-se a letra fenomenal do "Movimento Perpétuo Associativo" ). mas quando os revolucionários da causa revolucionária não querem ler o que se escreve, lêem o que querem que se escreva. desde que encaixe na causa revolucionária.

da Parva que sou, gosto particularmente de um pormenor. o coliseu do Porto foi ao rubro quando ouviu pela primeira vez o verso "Porque isto está mal e vai continuar,/ já é uma sorte eu poder estagiar (...) que mundo tão parvo/ onde para ser escravo é preciso estudar". foi o bater de palmas em uníssono, porque fácil é culpar o mundo da nossa desgraça. mas, seguindo na letra, quando eles cantam "Sou da geração ‘casinha dos pais’,/ se já tenho tudo, pra quê querer mais?", ouvem-se umas palminhas com cessar rápido (minuto 1'18'' daqui).

tenho é pena que não se saiba ler nas entrelinhas. da ironia ser lida à letra. propósitos há muitos, e quem quer ver queixume vê queixume, quem quer ver luta, vê luta. " a culpa é do Governo", dizemos todos. e é. mas não só. não vejo a música dos Deolinda como um hino para ser cantado em tom de amargura ou queixume, para ser entoado pelas ruas em manifestações compridas, enquanto se espera um D.Sebastião que é pau para toda a obra, enquanto se espera que o Governo nos dê condições a todos, que o Governo mude os Poderes Locais e as pessoas que existem nos Poderes Locais. que o Governo mude o meu vizinho porque ele me incomoda. (e eu, incomodo quem?)
a luta maior procede em silêncio, nos nossos dias-a-dias, nos pormenores. as coisas não mudam se nós não as mudarmos aos poucos. se apenas cada um de nós e, por conseguinte, todos, pudéssemos dar o exemplo em vez de esperar vê-lo no outro.

arrisco-me a dizer que as pessoas não querem que os políticos deixem de ser corruptos, não, não querem. estão-se mesmo a cagar para isso, desde que lhes garantam um lugarzinho numa Câmara à beira-mar, com um salário bem simpático e onde não tenham que fazer muito. caramba, que mais poderíamos querer?

parva? sou parva quando me queixo queixo mas não faço mais nada. só exijo. não estou a falar de ser boazinha ou de passar a ser ingénua. nem deixar que nos pisem. mas também não é ir gritar para a rua, como quem reza na Igreja e critica a crucificação de Cristo inconsciente que somos todos o Pedrito que o negaria 3 ou mais vezes, quantas fossem. o que digo aqui é precisamente o contrário, e é a parte mais difícil: é não nos agarrarmos a hinos, é não nos fazermos de vítimas - é, precisamente, não nos fazermos de parvos. porque não o somos de facto.



(mas pronto, é só a minha, a minha opinião, a minha interpretação. só mais uma.)

4 comentários:

Jamil P. disse...

como aqui, tenho lido em alguns blogs referências a esses assuntos, rasca, Deolinda, mas confesso que fico meio boiando, por estar fora do contexto local. Você, que é minha amiga, se importaria em dar umas rápidas pinceladas na questão, só para eu poder me situar, saber do que se trata?
merci

menina de porcelana disse...

olá jamil,eu poderei dar umas rápidas pinceladas, mas ficará com a minha interpretação das coisas, claro.
tentarei ser objectiva: conhece certamente a expressão "geração rasca", que basicamente se refere aos filhos dos pais pós 25 de Abril, filhos estes com excesso de mimo e liberdade e que deixaram de ter bons valores. isto é o estereótipo, claro. gerações rascas não existem, o que existe é uma cambada no meio da curva, e outras duas cambadazinhas nos extremos, do pior e do melhor.
os Deolinda são uma banda portuguesa que têm vindo a ilustrar nas suas letras o retrato dos hábitos portugueses.
é sabido que há uma crise financeira a nível mundial, escassez de empregos para tanto licenciado que se forma, e daí altas taxas de desemprego.
ora, os Deolinda compuseram uma música, em tom irónico, note-se, referente a esta geração que agora sai da faculdade e não encontra emprego. claro que não sonharam o impacto que teria entre os políticos, que se sentem enchovalhados, e na classe jovem que se vê retratada. e esta classe jovem, tão bem que se reviu, tratou de a elevar a hino de uma geração que não tem emprego garantido quando acaba os estudos.
a ideia de muitos que se reviram foi pegar na canção e esfregá-la na cara do governo. mas a canção, na minha perspectiva, não é uma crítica só à precaridade de emprego, se é que também é uma crítica a isso.
a letra diz também que esta geração não tem emprego mas também não se importa de ficar na casinha dos pais enquanto não tiver emprego garantido (siga os links que eu coloquei para ler a letra).
penso que não é simples a situação que vivemos mas a letra ironiza, e acho que apela a que não nos acomodamos, ainda que haja gente pior, ainda que não haja emprego, não podemos fiar á espera. temos que nos mexer, exigir, lutar pelas coisas. mas lutar não é só ir para a rua gritar. é mais que isso. é fazer algo constructivo pela nossa vida. há tanta coisa por aí, não podemos ficar à espera que nos tragam a papinha predilecta feita... até porque, de facto, há erros de base na forma como se constroem os cursos e se abrem vagas de cursos, e não há lugar para tanta pessoa formada. simplesmente não há.

(e fica introduzido o tema ;) )

Jamil P. disse...

oba, agora sim! :)
com o panorama que você bem descreveu, consegui captar melhor as ideias que estao lançadas em seu texto; digo, no post.
curioso como a banda consegue causar todo esse alvoroço, uma vez que sua letra, pelo que entendi, não diz nada além daquilo que já está latente na sociedade, na cabeça e no coração das pessoas; a canção serviu de estopim, vamos dizer, para incendiar uma importante discussão; independentemente da bandeira levantada pela banda, tomando esse ou aquele partido, mais do que válida, acho bonita essa preocupação em vincular a arte aos problemas que você retratou, os quais dizem respeito a todos, direta ou indiretamente (não se cingindo apenas a Portugal; aqui no Brasil, p.ex., o quadro não é tão diferente).
enxergando com clareza, agora, o pano de fundo diante do qual a polêmica se desenvolve, concordo com as suas ponderações, em gênero, número e grau.
obrigado pela paciência e boa vontade em me esclarecer a coisa toda, menina de porcelana; gosto de você, das suas ideias, dos seus sentimentos e do seu estilo, de verdade, espero que saiba disso.

menina de porcelana disse...

um bem-haja bem bonito para as suas palavras :)