segunda-feira, fevereiro 14, 2011

'the grass is always greener on the other side' ou, em português de Portugal, 'a galinha do vizinho é bem melhor que a minha'.


a realidade dá-me um beijo. sinto-lhe os lábios suaves, ternos, molhados pela saliva e... eh pah, há aqui uma migalhita do pequeno-almoço. e, caramba, o eterno hálito do amanhecer! se fosse no sonho, o beijo seria perfeito. mas minha menina, hold your horses que estamos na realidade. o que no sonho é romance, na realidade é o punzinho que irrompe pelo meio. ah pois, que isto na realidade há sempre o pormenor-zito não necessariamente aprazível. o trelipatéu que não entra na imaginação da menina. e porque haveria de entrar?! é o sonho então pois!?, e o sonho quer-se como a peça comprada: sem defeitos.

por isso, quando a realidade enfastia, compra-se o sonho. ui!, o sonho é muito melhor, o sonho é sempre melhor. há pois o terrível defeito, proveniente talvez de uma dissonância cognitiva deficiente, de achar que nada do que temos é bom, porque nada é tão bom quanto o que queríamos ter.

e por isso sonhamos. e preferimos sonhar. e achamos que podemos viver o sonho, e que o sonho será obviamente como o sonhámos. claro, é sempre melhor viver na ilusão do que - PÁS! - chocá-la contra a realidade, e - PÁS! - ver que o sonho não existe, simplesmente porque é impraticável. porque
a ilusão não alimenta, pelo contrário, mantém a fome. porque a ilusão é o escape que não queremos deixar de ter. é a esperança de que podemos não ter o queremos (ou não querer o que temos...), mas que o que queremos existe, sim existe! e existe I-MA-CU-LA-DO.

é a nossa fuga para quando as coisas não são exactamente como queremos, ou achamos que deveriam ser. porque o nosso "deveriam ser" é demasiado saudávelzinho, e não admite falhas. o nosso sonho não quer aprender com a realidade, não quer aprender com os erros e os defeitos que parecem só manchar as coisas. porque o outro, o outro, seja ele quem for, é sempre maior e melhor, e percebe-nos melhor e seríamos muito mais felizes com ele. no sonho é assim! no sonho funciona! nem que, se virmos bem as coisas, na realidade ele nem seja como o sonhámos, na realidade ele nem tenha nada a ver connosco, na realidade ele nem seja o que precisamos, na realidade ele nem nos ofereça um futuro. Não interessa!, no sonho ele está lá! e eu quero ser feliz agora, que se lixe o futuro! que se lixe a realidade.


quando não aprendemos a amar o que temos. porque cansa. porque é real, e na realidade vemos as mesquinhices todas que no sonho não vemos, pois claro!, então se é o nosso sonho, porque o haveríamos de sonhar com defeitos?
oh tristes princesas entregues ao sonho de algo que não é. que soa bonito e perfeito nos cadernos e nas estórias, mas que nunca conta o dia-a-dia numa casa, com distâncias pelo meio, o dia-a-dia com um WC com algumas impurezas, a lavar a loiça, a ver o futebol, a cozinhar, o cansaço do trabalho, o dia que corre mal, a dor de cabeça, a impaciência, as pernas altas da vizinha, a tampa da sanita aberta, os pêlos púbicos pelo chão, nos lençóis, a falta de pão, as compras, as batidelas do carro, os problemas de última hora, o jantar da tua amiga que não me apetece ir, os cafés com os amigos, as noites na disco, eu quero dançar e tu estás cansado, tu queres beber mais um copo e eu quero ir dormir;
o hálito verde não fresco numa manhã tremida por um despertador e por uma vida real da qual também-mas-não-só faz parte o sofrimento, a dúvida e a insatisfação.

por isso, quando a realidade não acomoda o sonho, deixa-se a realidade e compra-se o sonho. e paga-se caro.
não há, de facto, nada de mal em sonhar. o problema é quando nos apegamos ao sonho e deixamos de viver a realidade. o problema é quando desistimos da realidade por um sonho que mantemos sonhado, o problema é quando desistimos de encontrar na realidade - no meio dos hálitos, dos punzinhos, das incompreensões do dia-a-dia - os lábios ternos que nos aconchegam e que, com uma imprecisãozinha ou outra, afinal até encaixam nos nossos.


5 comentários:

Jamil P. disse...

A realidade é maior que o sonho;
tudo ela contém.
Nela há uma poesia 'escondida' em algum lugar (para cada um de nós há uma), que é a própria razão metafórica da nossa existência.
Enquanto não a encontrarmos, andaremos por aí, no caminho das ilusões, e a beleza da realidade será para nós como o verso incompreensível de uma linda tapeçaria, a vida.

menina de porcelana disse...

concordo muito contigo, jamil. ao perdemo-nos no caminho da ilusão "a beleza da realidade será para nós como o verso incompreensível". simplesmente porque não a sabemos descobrir.

'o sonho comanda a vida', é tudo muito bonito mas, sem se realizar, o sonho é vazio. e a questão é se queremos que a nossa vida seja isso: potencialmente muito bonita, mas oca.

Pedroto disse...

'O sonho comanda a vida', o sonho é vazio?! Não pode ser... o sonho é completo, é determinístico... é perfeito. A realidade, pelo contrário, é incompleta (cheia de frustrações, alegrias), meia aleatória (incertezas, desafios, riscos)... imperfeita. Mas não a trocava pelo sonho... é mais aborrecido! Cá vou andando neste meu random walk e não me queixo... e acho que nem a realidade nem o sonho serão alguma vez ocos... aliás, juntos, fazem uma vida potencialmente cheia.

P.S.- Devo dizer que a Pedra Filosofal do António Gedeão foi um poema que tive de comentar no meu exame nacional de português. Nessa pergunta tive 1 valor em 6 possíveis... aconselho-te, portanto, a não valorizares todo e qualquer comentário que eu possa fazer em relação a temáticas relacionadas com sonhos, comandos e/ou vidas... ;)

menina de porcelana disse...

texto corrido:
sabes uma das coisa que eu acho fantásticas, e não tão boas nem fantásticas, mas que pronto existem e às vezes são boas, às vezes são más? é a divergência de opiniões. ou a sua coexistência. ou a possibilidade de termos uma e conseguirmos acomodar a outra, ou pelo menos tentar percebê-la e, às vezes até, mudar um pouco o nosso ponto de vista.
daí que te agradeça a tua opinião. reconheço que o sonho tem parte na vida, eu é que simplesmente ando chateada com ele por me iludir demais... :S (nem é ele, sou eu. a frase chatinha de ouvir...)

devo dizer-te ainda que agora que cresci (só mais) um bocadinho, percebo que os professores não sabem tudo, nem têm as respostas correctas. que se definem os critérios e que estes são tremendamente arbitrários (percebes disto muito mais que eu, não?). portanto, que se dane o teu valor em 6! eu dava-te mais valores, que gosto da tua interpretação! ;P
portanto, levo o teu conselho, não o da desvalorização da resposta, mas o outro. sim? mas só porque existes.

resumo escorrido: “I like too many things and get all confused and hung-up running from one falling star to another till i drop. This is the night, what it does to you. I had nothing to offer anybody except my own confusion.” (jack kerouac)

Cognitive Dissonance (with Philip Zimbardo ) disse...

Taken from the PBS documentary "Discovering Psychology" (1990):

http://www.youtube.com/watch?v=DF4gdOlP-fc# <- Cognitive Dissonance