terça-feira, outubro 28, 2008

Pai Natal


Pensei na possibilidade. Não. Nem pensar. Não não não. O meu triciclo desapareceu, ora essa. Alguém o levou, um alguém distante de quem nunca saberei o nome. Um alguém com um menino que precisava mais dele do que eu. Foi isso. Claro que foi. Não poderia ter sido outra coisa. Pois não?...

Foi exactamente enquanto alongava os músculos naquele passeio em frente às Águas, enquanto olhava para a parede com estruturas metálicas para agrilhoar bicicletas, enquanto pensava que também eu podia ter uma bicicleta, guardada no prédio, mas que precisaria de algo para a prender, ou então podia deixá-la lá sem a prender, não não podia, porque poderiam levá-la, como daquela vez. Daquela vez, há uns 20 anos atrás, em que o meu triciclo desapareceu. Do vão das escadas onde foi deixado, já nem sei por meio de que ardiloso acordo. Foi exactamente aí, naquele instante, que se fez uma luz.

Não, espera lá!, o meu triciclo não foi levado. O meu triciclo não desapareceu. Nem teve mão de um alguém distante com boas intenções e esperança de um sorriso. Não. O meu triciclo, o meu veículo de criação de voltas perfeitamente circulares e intermináveis ao quintal, o meu lindo e adorado triciclo(!) foi mandado embora, afastado, numa obscura artimanha… pelos meus próprios pais. Como não percebi antes? Como não vi que tinha sido feito desaparecer, aniquilado, por ter três pernas e ser um comodismo. Por não ter duas e ser então propício a desequilíbrios e quedas e queixos ensanguentados. Por já não ser próprio para a etapa seguinte. Por ser um meio de empate e retenção na etapa anterior. Que se lixem as etapas! O meu triciclo foi mandado fora, posto num recanto frio e obscuro, e deixado assim triste à minha espera, simplesmente, por ter uma perna a mais! Só que eu, naquele dia, não vi isso. Pequenita, esperançosa de que a vida não leva as coisas que não lhe pertencem, que não leva antes do tempo, que não quebra os sonhos dos meninos, deixei-me convencer. E no dia seguinte, já confrontada com a ausência, o meu triciclo, posto naquele vão de prédio, tinha desaparecido. Só isso. Naquele dia eu acreditei no que eles me quiseram dizer, e no que eu quis ouvir. Só porque assim tinha sido imprevisto, impossível de se saber, impossível de se evitar. Porque, assim, era uma estória mais bonita.

(vou ser muito sincera. tenho 24 anos e - isto é uma desgraça de se dizer mas - por vezes, demasiadas vezes, parece que ainda acredito no Pai Natal. acordem-me para a vida por favor!)

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